STJ, REsp 2.038.947, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 17.9.2024: A aplicação das ferramentas de barganha penal observa uma discricionariedade regrada ou juridicamente vinculada do MP em propor ao investigado ou denunciado uma alternativa consensual de solução do conflito. Não se pode confundir, porém, discricionariedade regrada com arbitrariedade, pois é sob o prisma do poder-dever (ou melhor, do dever-poder), e não da mera faculdade, que ela deve ser analisada. Se a oferta de institutos despenalizadores é um dever-poder do MP e se tais institutos atuam como instrumentos político-criminais de otimização do sistema de justiça e, simultaneamente, de contenção do poder punitivo estatal, com diminuição das cerimônias degradantes do processo e da pena, não cabe ao MP escolher, com base em um juízo de mera conveniência e oportunidade, se vai ou não submeter o averiguado a uma ação penal. A margem discricionária de atuação do MP quanto ao oferecimento de acordo diz respeito apenas à análise do preenchimento dos requisitos legais, sobretudo daqueles que envolvem conceitos jurídicos indeterminados. É o que ocorre, principalmente, com a exigência contida no art. 28-A, caput, do CPP, de que o acordo só poderá ser oferecido se for ‘necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime’. Vale dizer, não é dado ao MP, se presentes os requisitos legais, recusar-se a oferecer um acordo ao averiguado por critérios de conveniência e oportunidade. Na verdade, o que o MP pode fazer – de forma excepcional e concretamente fundamentada – é avaliar se o acordo é necessário e suficiente à prevenção e reprovação do crime, o que é, em si mesmo, um requisito legal. O MP tem o dever legal e constitucional de fundamentar suas manifestações e, embora não haja direito subjetivo à entabularão de um acordo, há direito subjetivo a uma manifestação idoneamente fundamentada do MP. E cabe ao Judiciário, em sua indeclinável e inafastável função de dizer o direito, decidir se os fundamentos empregados pelo MP se enquadram ou não nas balizas do ordenamento jurídico. A negativa de oferecimento de mecanismo de justiça negocial por não ser necessário e suficiente à reprovação e à prevenção do crime deve sempre se fundar em elementos concretos do caso fático, os quais indiquem exacerbada gravidade concreta da conduta em tese praticada. Tal exigência não se satisfaz com a simples menção a qualquer circunstância judicial desfavorável. Não cabe ao MP nem ao Poder Judiciário, salvo excepcionalmente em caso de inconstitucionalidade – como, p. ex., reconheceu a 2ª Turma do STF em relação aos crimes raciais -, deixar de aplicar mecanismos consensuais legalmente previstos em favor do averiguado com base, apenas, na natureza abstrata do delito ou em seu caráter hediondo. Isso significaria criar, em prejuízo do investigado, novas vedações não previstas pelo legislador, o qual já fez a escolha das infrações incompatíveis com a formalização de acordo. Eventualmente, o MP, ao oferecer a denúncia, pode acabar incorrendo em excesso de acusação. Essa prática, nos EUA, é chamada de overcharging e frequentemente faz com que o investigado opte por um acordo de pela bargain como meio de evitar o risco de um processo penal mais severo. No Brasil, onde há limites legais para a incidência do instituto despenalizador, nota-se a ocorrência de fenômeno similar, mas por vezes invertido, que se poderia chamar de ‘overcharging às avessas’: o excesso de acusação não leva o imputado a aceitar um acordo, mas o impede de celebrar o acordo. Isso faz com que, na sentença, o julgador acabe por desclassificar a conduta para um tipo penal menos grave ou por julgar apenas parcialmente procedente a pretensão punitiva. Nessas hipóteses, em razão da nova capitulação, passa a ser cabível o oferecimento de benefícios antes incompatíveis com os termos da denúncia, conforme o disposto na Súmula 337 deste Superior Tribunal. Para oferecer denúncia, o Ministério Público deve justificar de maneira concreta e idônea o não cabimento do acordo de não persecução penal. No caso do tráfico de drogas, isso significa demonstrar, em juízo de probabilidade, com base nos elementos do inquérito e naquilo que se projeta para produzir na instrução, que o investigado não merecerá a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 ou, pelo menos, que, mesmo se a merecer, a gravidade concreta do delito é tamanha que o acordo não é ‘necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime’. Caso contrário, a recusa injustificada ou ilegalmente motivada do MP em oferecer o acordo deve levar à rejeição da denúncia, por falta de interesse de agir para o exercício da ação penal, nas modalidades necessidade e utilidade (CPP, art. 395, II).
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