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Proibição de dupla persecução penal e ne bis in idem no âmbito internacional

STF, HC 171.118, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 12.11.2019: A partir de interpretação dos artigos 5º e 8º do Código Penal brasileiro, assentou-se nas instâncias inferiores que julgamento realizado sobre idênticos fatos em jurisdição brasileira não impede nova persecução penal no Brasil. O art. 5º do CP estabelece que “Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”. E o art. 8º do CP prevê que “A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas”. O presente caso revela-se excelente oportunidade para assentar a melhor interpretação sobre o conteúdo dessas normas do Código Penal, a partir da leitura sistemática do próprio Código e, especialmente, em conformidade com os direitos assegurados pela CF e, em âmbito convencional, pela CADH e pelo PIDCP.
Os artigos do Código Penal devem ser interpretados de acordo com aquilo que dispõe a Lei 13.445/2017, conhecida como a Lei de Migração. Sabe-se que o rol do art. 82 dessa lei federal elenca os casos em que o Estado brasileiro não concede extradição. Veja-se a redação do inciso V: “o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido”.
O legislador teve preocupação similar mais à frente, na mesma lei, ao tratar da transferência da execução da pena de um Estado a outro, como observado no art. 100, caput: “Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado o princípio do non bis in idem“. A proteção ao indivíduo selada por esses dispositivos é muito cara ao direito brasileiro. Revela-se evidente garantia contra nova persecução penal pelos mesmos fatos, de modo a se consagrar a proibição de dupla persecução penal também entre países, no âmbito internacional.
Partindo-se de um controle de convencionalidade, resta claro que o Código Penal deve ser aplicado em conformidade com os direitos assegurados na CADH e no PIDCP. Em relação à proibição de dupla persecução penal, a CADH prevê que “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos” (art. 8.4) e o PIDCP estabelece que “Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país” (14.7).
A Corte Interamericana já assentou que a redação da CADH garante proteção mais ampla, pois proíbe a dupla persecução por “mesmos fatos” e não apenas por “mesmos crimes” (Caso Loayza Tamayo vs. Peru).
É forçoso concluir, portanto, que o exercício do controle de convencionalidade, tendo por paradigmas os dispositivos do art. 14.7 do PIDCP e do art. 8.4 da CADH, determina a vedação à dupla persecução penal, ainda que em jurisdições de países distintos. Assim, o art. 8º do Código Penal deve ser lido em conformidade com os preceitos convencionais e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, vedando-se a dupla persecução penal por idênticos fatos.
Finalmente, a vedação à dupla persecução penal em âmbito internacional deve ser ponderada com a soberania dos Estados e com as obrigações processuais positivas impostas pela Corte IDH. Em casos de violação de tais deveres de investigação e persecução efetiva, o julgamento em país estrangeiro pode ser considerado ilegítimo, como em precedentes em que a própria Corte IDH determinou a reabertura de investigações em processos de Estados que não verificaram devidamente situações de violações de direitos humanos. Portanto, se não houver a devida comprovação de que o julgamento em outro país sobre os mesmos fatos não se realizou de modo justo e legítimo, desrespeitando obrigações processuais positivas, a vedação de dupla persecução pode ser eventualmente ponderada para complementação em persecução interna.

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