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Ilegalidade de busca pessoal e ingresso domiciliar pela fuga após abordagem e pela fisionomia do réu

STF, RHC 221.772, Rel. Min. Edson Fachin, decisão monocrática de 17.07.2023: No caso presente, foi apontada como “fundada razão” para o ingresso na residência a “atitude suspeita” do agente, por ter empreendido fuga após abordagem policial em lugar conhecido como ponto de tráfico de drogas. Conforme relatos pelos próprios agentes policiais em juízo, estes estavam em patrulha realizada em local conhecido como ponto de tráfico quando avistaram o acusado e resolveram abordá-lo, momento em que ele começou a correr. Ao ser questionado pelo defensor público se a suspeita era mais em relação ao bairro ou à pessoa, o policial militar chegou a afirmar que era “da pessoa também, é só olhar para a cara de seu cliente”. Nesse contexto, a abordagem foi motivada em razão do local da apreensão, conhecido como ponto de tráfico dominado por facção criminosa, bem como pela fisionomia do abordado.
Primeiramente, importa ressaltar que o ato de correr, adentrando a uma residência, sem que o agente estivesse portando qualquer objeto vinculado a um crime (inciso IV), ou sem que tenha ocorrido anterior perseguição (inciso III), não denota a existência de crime prévio a que ao agente se possa relacionar, o que afasta de plano a possibilidade de flagrante impróprio ou ficto. Na mesma medida, a ação anotada (“correr”) não é em si criminosa e por isso não se enquadra na definição de flagrante próprio (“está cometendo uma infração penal ou acaba de cometê-la”). Não configura fundada razão, portanto.
Por conseguinte, os fundamentos apresentados pela autoridade policial para o ingresso na residência não atendem ao parâmetro da visibilidade material de hipótese caracterizadora de flagrante delito, nem de comprovação material – por elementos – de situação indicativa de flagrante delito e por isso não se conforma ao requisito da “fundada razão” a que se reporta o tema 280, decidido por esta Suprema Corte.
Acrescento que a exigência da verificação material de hipótese caracterizadora de flagrante delito, conceito extraído da própria legislação infraconstitucional que rege a matéria, a meu sentir, conformase adequadamente à proteção constitucional conferida no art. 5°, XI, da CF, sem que se confira permeabilidade demasiada à exceção contida no referido dispositivo constitucional.
Em sequência, cumpre ressaltar que, se de fato havia a convicção pelos policiais de que o local funcionava como ponto permanente de tráfico, nada denotando, portanto, que seria abruptamente desconstituído, o apropriado era o regular transcurso processual penal, à luz do regramento previsto no art. 240 do CPP e seguintes, não se justificando, por isso, a mitigação açodada a uma garantia constitucional do indivíduo.
No mais, consigno que, embora em decisões pretéritas também tenham sido mencionados uma quantidade de droga, um telefone celular, uma balança de precisão e o documento de identidade do acusado, encontrados todos juntos em cima de um rack na residência em revistada, entendo que estas razões são irrelevantes ao exame que ora faço, pois teriam ocorrido após o ingresso desautorizado à residência em questão, quando já evidenciado o vício no procedimento adotado pela autoridade policial.
Por essa razão, reconheço a nulidade da busca e apreensão realizada pelos policiais e também de todos os demais elementos de informações e provas colhidas em Juízo, porque decorreram da apreensão ilegal realizada no domicílio do paciente, em violação ao previsto no art. 5°, XI, da Constituição Federal.
Com efeito, as provas derivadas da prova ilícita restam imprestáveis em razão do que a doutrina denomina de teoria dos frutos da árvore envenenada (art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal). Assinalo, nesse sentido, que a hipótese dos autos não se inclui nas exceções de contaminação, quais sejam, a inexistência de nexo de causalidade entre umas e outras ou quando as provas derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente.
Ante o exposto, com base no art. 192 do RISTF, dou provimento ao recurso ordinário, para o fim de declarar a nulidade da incursão domiciliar sem mandado judicial e dos demais atos processuais que dela advieram, bem como absolver o recorrente da imputação com fulcro no art. 386, II, do CPP.

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