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HC coletivo e soltura de presos com medida cautelar de fiança

STJ, HC 568.693, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 3ª Seção, j. 14.10.2020: Inicialmente, os arts. 580 e 654, § 2º, do Código de Processo Penal, dão azo à permissibilidade do HC coletivo no sistema processual penal brasileiro. Ademais, o microssistema de normas de direito coletivo como a Lei da Ação Civil Pública, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei do Mandado de Segurança, a Lei do Mandado de Injunção, entre outras, autoriza a impetração do HC na modalidade coletiva.
No âmbito supranacional, o art. 25, 1, da CADH, garante o emprego de um instrumento processual simples, rápido e efetivo para tutelar a violação de direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela Lei ou pela citada Convenção.
Anoto, ainda, que, diante dos novos conflitos interpessoais resultantes da sociedade contemporânea – “sociedade de massa” –, imprescindível um novo arcabouço jurídico processual que abarque a tutela de direitos coletivos, também no âmbito penal. A reunião, em um único processo, de questões que poderiam estar diluídas em centenas de habeas corpus implica economia de tempo, de esforço e de recursos, atendendo, assim, ao crescente desafio de tornar a prestação jurisdicional desta Corte Superior mais célere e mais eficiente.
No mais, sabe-se que o habeas corpus consolidou-se como um instrumento para defesa de direito fundamental e, como tal, merece ser explorado em sua total potencialidade.
No direito comparado, a Suprema Corte argentina, a despeito de inexistir, naquele país, norma expressa regulando o habeas corpus coletivo, no famoso “Caso Verbitsky”, admitiu o cabimento da ação coletiva contra toda e qualquer situação de agravamento da detenção que importe um trato cruel, desumano ou degradante a um grupo de pessoas afetadas pela atuação arbitrária do Estado.
Por fim, vê-se que conflitos sociais já foram solucionados por meio de habeas corpus coletivo tanto no âmbito do Supremo Tribunal Federal como no do Superior Tribunal de Justiça, citando-se, como exemplos, o HC n. 143.641, o HC n. 568.021 e o HC n. 575.495.
Busca-se, neste habeas corpus coletivo, a soltura de todos os presos do estado do Espírito Santo que tiveram o deferimento da liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança, o que se faz com fulcro na Recomendação n. 62/2020 do CNJ. Não se pode olvidar que o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação n. 62/2020, em que recomenda aos tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.
Nesse contexto, corroborando com a evidência de notória e maior vulnerabilidade do ambiente carcerário à propagação do novo coronavírus, nota técnica apresentada após solicitação apresentada pela Coordenação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais no Distrito Federal – IBCCrim/DF, demonstra que, sendo o distanciamento social tomado enquanto a medida mais efetiva de prevenção à infecção pela Covid-19, as populações vivendo em aglomerações, como favelas e presídios, mostram-se significativamente mais sujeitas a contrair a doença mesmo se proporcionados equipamentos e insumos de proteção a estes indivíduos.
Por sua vez, a Organização das Nações Unidas (ONU), admitindo o contexto de maior vulnerabilidade social e individual das pessoas privadas de liberdade em estabelecimentos penais, divulgou, em 31/3/2020, a Nota de Posicionamento – Preparação e respostas à Covid-19 nas prisões. Dentre as análises realizadas, a ONU afirma a possível insuficiência de medidas preventivas à proliferação da Covid-19 nos presídios em que sejam verificadas condições estruturais de alocação de presos e de fornecimento de insumos de higiene pessoal precárias, a exemplo da superlotação prisional. Assim, a ONU recomenda a adoção de medidas alternativas ao cárcere para o enfrentamento dos desafios impostos pela pandemia aos já fragilizados sistemas penitenciários nacionais e à situação de inquestionável vulnerabilidade das populações neles inseridas.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) igualmente afirmou, por meio de sua Resolução n. 1/2020, a necessidade de adoção de medidas alternativas ao cárcere para mitigar os riscos elevados de propagação da Covid-19 no ambiente carcerário, considerando as pessoas privadas de liberdade como mais vulneráveis à infecção pelo novo coronavírus se comparadas àquelas usufruindo de plena liberdade ou sujeitas a medidas restritivas de liberdade alternativas à prisão.
Por essas razões, somadas ao reconhecimento, pela Corte, na ADPF n. 347 MC, de que nosso sistema prisional se encontra em um estado de coisas inconstitucional, é que se faz necessário dar imediato cumprimento às recomendações apresentadas no âmbito nacional e internacional, que preconizam a máxima excepcionalidade das novas ordens de prisão preventiva, inclusive com a fixação de medidas alternativas à prisão, como medida de contenção da pandemia mundialmente causada pelo coronavírus (Covid-19).
Nos casos apresentados pela Defensoria Pública do Espírito Santo, a necessidade da prisão preventiva já foi afastada pelo Juiz singular, haja vista não estarem presentes os requisitos imprescindíveis para sua decretação. Diante de tais casos, o Juiz deliberou pela substituição do aprisionamento cautelar por medidas alternativas diversas, optando, contudo, por condicionar a liberdade ao pagamento de fiança.
Nos termos em que preconiza o Conselho Nacional de Justiça em sua Resolução, não se mostra proporcional a manutenção dos investigados na prisão, tão somente em razão do não pagamento da fiança, visto que os casos – notoriamente de menor gravidade – não revelam a excepcionalidade imprescindível para o decreto preventivo.
Ademais, o Judiciário não pode se portar como um Poder alheio aos anseios da sociedade, sabe-se do grande impacto financeiro que a pandemia já tem gerado no cenário econômico brasileiro, aumentando a taxa de desemprego e diminuindo ou, até mesmo, extirpando a renda do cidadão brasileiro, o que torna a decisão de condicionar a liberdade provisória ao pagamento de fiança ainda mais irrazoável.
Por fim, entendo que o quadro fático apresentado pelo estado do Espírito Santo é idêntico aos dos demais estados brasileiros: o risco de contágio pela pandemia do coronavírus (Covid-19) é semelhante em todo o país, assim como o é o quadro de superlotação e de insalubridade dos presídios brasileiros, razão pela qual os efeitos desta decisão devem ser estendidos a todo o território nacional.
Ordem concedida para determinar a soltura, independentemente do pagamento da fiança, em favor de todos aqueles a quem foi concedida liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança no estado do Espírito Santo e ainda se encontram submetidos à privação cautelar de liberdade em razão do não pagamento do valor, com determinação de extensão dos efeitos desta decisão aos presos a quem foi concedida liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança, em todo o território nacional. Nos casos em que impostas outras medidas cautelares diversas e a fiança, fica afastada apenas a fiança, mantendo as demais medidas. Por sua vez, nos processos em que não foram determinadas outras medidas cautelares, sendo a fiança a única cautela imposta, é necessário que os Tribunais de Justiça estaduais e os Tribunais Regionais Federais determinem aos juízes de primeira instância que verifiquem, com urgência, a conveniência de se impor outras cautelares em substituição à fiança ora afastada.

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