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Teoria da perda de uma chance probatória

STJ, HC 706.365, Rel. Min. Laurita Vaz, 6ª Turma, j. 23.5.2023: Além das sérias inconsistências e das indevidas interferências no procedimento de reconhecimento, houve grave falha na persecução penal, relativamente à produção de provas. De fato, os crimes teriam sido praticados no interior de um ônibus e a própria denúncia indica que haveria outros passageiros no referido veículo no momento dos fatos, todos eles, in casu, potenciais testemunhas da ação delitiva. No entanto, nenhum dos referidos passageiros, à exceção da ofendida, foi ouvido, seja em juízo ou em solo policial. Ainda, durante a investigação preliminar, a autoridade policial requisitou à empresa responsável pelo ônibus em que praticados os crimes informações sobre a existência de imagens do momento da conduta. A referida empresa indicou não notar “nenhuma ação anormal em nenhum dos 12 coletivos” no interregno de tempo mencionado pela autoridade, e se prontificou a enviar os arquivos contendo as imagens para os órgãos estatais competentes, os quais, contudo, se mantiveram inertes e não solicitaram o traslado das imagens ao caderno probatório, o que chama a atenção, pois, em um contexto de fragilidade probatória, o depoimento dos demais passageiros do veículo coletivo e a filmagem do circuito interno de monitoramento do ônibus onde foi praticado o crime poderiam pôr a termo esse cenário de incerteza, comprovando a tese acusatória ou até mesmo atestando a inocência do Acusado.
Aplica-se, ao caso, a teoria da perda de uma chance probatória, a qual dispõe que “o Estado não pode perder a oportunidade de produzir provas contra o acusado, tirando-lhe a chance de um resultado pautado na (in)certeza. Todas as provas possíveis se constituem como preceitos do devido processo substancial, já que a vida e a liberdade do sujeito estão em jogo” (ROSA, Alexandre Morais da. RUDOLFO, Fernanda Mambrini. A teoria da perda de uma chance probatória aplicada ao processo penal. In Revista Brasileira de Direito. v. 13, n. 3, dez. 2017, p. 464; sem grifos no original).
Apesar de os fatos serem gravíssimos e ser dever do Estado não incorrer em proteção insuficiente aos bens jurídicos merecedores de tutela penal, essa obrigação não pode ser cumprida da maneira mais cômoda, com a prolação de condenações baseadas em prova frágil, mormente quando possível a produção de elemento probatório que, potencialmente, possa resolver adequadamente o caso penal. É de se concluir, portanto, que a prova produzida não pode lastrear, por si só, o decreto condenatório, impondo-se a absolvição do Paciente. De fato, em razão da grave falha instrutória, a condenação foi amparada tão somente no reconhecimento fotográfico realizado com a interferência direta de agentes estatais e no depoimento da vítima prestado em juízo que apresentou inconsistências substanciais na descrição do sujeito. Não foram ouvidas outras testemunhas, não houve confissão por parte do Réu e a res furtiva não foi apreendida em seu poder.
Ordem de habeas corpus concedida para absolver o Paciente, nos termos do art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal.

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