Corte IDH, Caso Valencia Campos e outros vs. Bolívia. Exceção preliminar, mérito, reparações e custas. Voto conjunto dos juízes Nancy Hernández Lopez e Rodrigo Mudrovitsch, § 20 a 35: Os perigos para a integridade humana se agravam entre o pôr e a saída do sol, uma percepção que se tem comumente, inclusive com todos os avanços tecnológicos que se produziu ao longo do tempo e que facilitaram a vida humana no período noturno. Esta percepção é correta em relação às circunstâncias específicas dos ingressos noturnos, pois devido à hora o período é mais propício que o diurno para a perpetração de violações dos direitos humanos, dada a reduzida circulação de pessoas e a menor possibilidade de ajuda ou presença de testemunhas. Tais condições são claramente favoráveis à prática de abusos de autoridade nas operações do Estado.
Historicamente, as operações policiais e militares noturnas têm sido a base para a prática de graves violações dos direitos humanos.
Outra razão para a especial gravidade dos ingressos noturnos é a elevada e razoável expectativa de intimidade durante este período. Em geral, as atividades familiares mais íntimas ocorrem durante a noite, de modo que a violação do domicílio por parte das autoridades policiais em horário noturno produz maior ansiedade nos residentes e resulta ainda mais ameaçadora. Além disso, os residentes se encontram em uma situação ainda mais vulnerável se estão dormindo, já que quando dormem sua capacidade de alerta e defesa se reduz substancialmente.
A vulnerabilidade das pessoas e das famílias à violação nos ingressos domiciliares noturnos se agrava muito quando há mulheres, crianças e adolescentes no local. A respeito das mulheres, uma das formas em que se evidencia esta vulnerabilidade é o maior risco de violência, incluída a de caráter sexual. No caso dos ingressos domiciliares, os Estados têm a obrigação de adotar medidas reforçadas para prevenir as violações dos direitos das mulheres. Como está cristalizado na jurisprudência deste Tribunal, o dever reforçado de proteção do Estado também existe em relação às crianças e aos adolescentes, em consonância com o princípio do interesse superior da criança. Este interesse se manifesta no contexto específico dos ingressos em domicílio, em que se intensifica a vulnerabilidade dos menores, dada a ruptura do sentido de proteção do lar e o testemunho da detenção dos adultos com os quais cultivam relações familiares e a confiança. Portanto, os Estados têm o estrito dever de considerar e, na medida do possível, mitigar os riscos de violação de seus direitos.
Especialmente no que se refere aos ingressos noturnos, é possível que as autoridades policiais prevejam a presença de crianças e adolescentes no lugar da operação, de modo que devem considerar o trauma a que se verão expostos as crianças ou os adolescentes quando se questione sua crença de estarem inseridos em um entorno de proteção e refúgio no seu lar. Portanto, é imprescindível buscar, na medida do possível, realizar as operações policiais (se são necessárias e estão respaldadas pela legalidade) durante o dia, quando se podem mitigar os impactos sobre a infância. Esta obrigação está em consonância com o entendimento de que as crianças e adolescentes são especialmente vulneráveis a diversas formas de violência e que qualquer ação estatal que possa lhes afetar negativamente exige uma proteção e uma diligência reforçadas.
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