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Possibilidade de converter o flagrante em prisão preventiva de ofício

STJ, HC 583.995, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. p/ acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 15.09.2020: O Código de Processo Penal de 1941 adota um modelo no qual ao juiz é reservado o papel de apenas julgar, e não o de também investigar, o que, de certo modo, situou o Brasil em posição de vantagem – máxime após a Constituição de 1988 – com relação a povos de maior tradição jurídica, como a França, a Espanha e a Itália, que apenas no final do século passado se renderam a reformas tendentes a instituir uma estrutura mais acusatória a seus procedimentos penais.
Continuam em vigor, porém, dispositivos do CPP, como o art. 5º, II (que permite ao juiz requisitar a instauração de inquérito policial), o art. 10, § 1º (que torna a autoridade judiciária a destinatária do inquérito policial), o art. 156, I (que faculta ao juiz ordenar, de ofício, a produção antecipada de provas, mesmo durante o inquérito policial, se considerá-las “urgentes e relevantes”), bem como o art. 574, segunda parte (que determina ao juiz submeter sua decisão, mesmo sem recurso da parte, ao exame da jurisdição superior, nos casos ali indicados).
Também se poderiam acrescer a esse rol de dispositivos outras situações de provável comprometimento psicológico do juiz, como o mecanismo de controle do arquivamento do inquérito policial positivado no art. 28 do CPP – ainda em vigor, dada a suspensão, pelo STF, da vigência da nova redação dada a tal preceito pela Lei n 13.964/2019 – em decorrência do qual o juiz se substitui ao órgão de acusação no exame da suficiência de elementos informativos para dar início a uma ação penal, ao ser autorizado a recusar a promoção de arquivamento das investigações. Em tal hipótese, não rara no quotidiano forense, recaem relevantes dúvidas sobre a imparcialidade do juiz que, após remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, recebe-os de volta com uma denúncia ofertada contra o investigado cujo inquérito se recusou a arquivar, mesmo com o anterior pedido do membro do Ministério Público.
Tais exemplos indicam que, mesmo em processo com estrutura acusatória, existem diversas situações nas quais se realizam atividades judiciais sem provocação do titular da ação penal, ou mesmo em oposição à sua manifestação.
Em verdade, nossa praxe judiciária não tem acolhido dogmas ou princípios de maneira absoluta, pois as idiossincrasias de nosso país e do seu sistema de justiça criminal acabam por engendrar soluções sensíveis a argumentos de cunho prático. E não se há de identificar essa postura, necessariamente, como algo negativo, pois cada país precisa construir um complexo normativo que, sem desconsiderar as experiências estrangeiras, seja funcional e adaptado às características de nossa realidade.
Com a edição da Lei nº 13.964/2019, que deu nova redação ao art. 311 do CPP, não mais se permite ao juiz decretar a prisão preventiva do investigado ou réu, sem provocação do Ministério Público ou da autoridade policial.
Diversa, porém, é a situação em que o juiz converte, por força de comando legal, a prisão em flagrante em alguma(s) medida(s) cautelar(es) de natureza pessoal, inclusive a prisão preventiva, porquanto, nesta hipótese, regulada pelo art. 310 do CPP, o autuado já foi preso em flagrante delito e é trazido à presença da autoridade judiciária competente, após a lavratura de um auto de prisão em flagrante, como determina a lei processual penal, para o controle da legalidade e da necessidade da prisão, bem como da observância dos direitos do preso, especialmente o de não sofrer coação ou força abusiva pelos agentes estatais responsáveis por sua prisão e guarda.
Não há, em tal situação, uma atividade propriamente oficiosa do juiz, porque, a rigor, não apenas a lei obriga o ato judicial, mas também, de um certo modo, há o encaminhamento, pela autoridade policial, do auto de prisão em flagrante para sua acurada análise, na expectativa, derivada do dispositivo legal (art. 310 do CPP), de que o juiz, após ouvir o autuado, adote uma das providências ali previstas, inclusive a de manter o flagranciado preso, já agora sob o título da prisão preventiva.
Ainda que não seja o modelo ideal – no qual deve ser a questão cautelar decidida em audiência de custódia, com a presença do Ministério Público e da defesa do autuado – eventual não realização, por motivo justificado, dessa audiência no prazo legal não desautoriza a excepcional conversão da prisão em flagrante, sem prévia manifestação do órgão ministerial ou da autoridade policial, em prisão preventiva, dando-se oportunidade, em momento imediatamente posterior, ao exercício do contraditório diferido, com possível revisão do ato judicial.
A solução definitiva para esta dependerá, todavia, da deliberação do Supremo Tribunal Federal sobre a vigência e validade da norma positivada no art. 310, § 4º do CPP, bem como do restabelecimento completo da obrigatoriedade de realização das audiências de custódia, ainda que sob a regência da Resolução nº 213, de 15 de dezembro de 2015, que dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas.
Na espécie, ao contrário do que sustenta a nobre impetrante, a decisão impugnada no writ está satisfatoriamente motivada, porquanto o magistrado, após relatar a conduta do ora paciente, destaca ter sido ele preso em flagrante outras vezes, encontrando-se, inclusive, cumprindo pena por condenação anterior; outrossim, a decisão alude ao fato de ter havido um crime particularmente grave, contra a vida, de modo premeditado, juntamente com outras pessoas, a autorizar, portanto, a cautela máxima.

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