STF, Inq 4.029, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática de 05.09.2022: O caso em questão trata de investigação sobre a prática dos crimes previstos nos arts. 168-A (apropriação indébita previdenciária) e 337-A (sonegação de contribuição previdenciária) do Código Penal, supostamente ocorridos nos anos de 2005 a 2008 e de 2009 a 2012, por parte de então Prefeito Municipal e atual Senador da República. O inquérito foi instaurado em 22.4.2015. Portanto, as investigações remontam a fatos ocorridos há mais de dez anos, com prazo de duração ou tramitação que já supera o período de 7 (sete) anos.
Destaque-se que os débitos previdenciários objeto desta ação foram objeto de parcelamento nos anos de 2011 e 2012, ou seja, antes mesmo do início das apurações. Tais acordos vêm sendo regularmente cumpridos, tal como se observa da última manifestação da PGR e dos documentos constantes dos autos. A adimplência do parcelamento acarretou na suspensão do inquérito e do prazo prescricional, nos termos do art. 83, § 2º e 3º da Lei 9.430/96, tal como inclusive mencionado por parte da Procuradoria-Geral da República na última manifestação juntada aos autos.
Desta feita, entendo que não há razões que justifiquem a manutenção deste processo com prazo suspenso por tão prolongado lapso temporal, tendo em vista que os supostos ilícitos tributários já foram objeto de parcelamento na esfera administrativa e se encontram em situação regular por aproximadamente uma década, tendo em vista a data da celebração dos acordos em 2011 e 2012. O excesso de prazo na manutenção deste processo constitui constrangimento ilegal que ameaça ou cerceia a liberdade do investigado. Em casos como esse, a jurisprudência do STF estabelece a possibilidade de se determinar o arquivamento ex officio.
Destaque-se que a manutenção deste processo, mesmo diante da suspensão da pretensão punitiva e do cenário de regularidade no parcelamento/pagamento das prestações nos últimos dez anos, reforçaria a exclusiva função arrecadatória do procedimento investigativo, o que é objeto de pertinente crítica doutrinária. De fato, ao apresentar o panorama geral das críticas ao uso do Direito Penal para fins meramente fiscais, Gustavo Britta Scandelari escreve que: “essa tendência vilipendia a teoria da pena, pois concebe a sanção penal como apêndice de um dever administrativo para com o Estado, admitindo, com isso, que ela tem unicamente uma finalidade arrecadatória e não de proteção a bens jurídicos. Assim, ela deixa de ser uma pena criminal.” (SCANDELARI, Gustavo Britta. Instâncias Administrativa e Penal: a independência na teoria e na prática dos crimes tributários. In: GUARANI, Fábio Andre; BACH, Marion (coord). Direito penal econômico: administrativização do direito penal, criminal compliance e outros temas contemporâneos. Londrina, Editora Troth, 2017. p. 160).
É exatamente o que ocorre no presente caso, em que as investigações sequer se aprofundarem em relação à identificação dos elementos de autoria, materialidade e culpabilidade, mantendo-se indefinidamente prolongada apenas para garantir o adimplemento das parcelas do acordo tributário.
Ressalte-se ainda que eventual descumprimento e rescisão do parcelamento poderá dar ensejo ao desarquivamento do presente inquérito em virtude da existência de fato superveniente e/ou de novas provas, nos termos do art. 18 do CPP, com a regular retomada da marcha processual investigativa, que se encontra vocacionada ao esclarecimento da notícia-crime em toda a sua integralidade, ao invés de funcionar apenas como instrumento de pressão para o adimplemento de créditos fiscais.
Ante o exposto, determino o arquivamento do presente inquérito, na forma do art. 21, XV, “e”, e art. 231, §4o, “e”, do RISTF, ressalvada a possibilidade de reabertura em caso de rescisão do parcelamento ou na hipótese de surgimento de novas provas, nos termos do art. 18 do CPP.
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