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Irretroatividade de entendimento jurisprudencial prejudicial ao apenado

TEDH, Caso Del Rio Prada vs. Espanha. Grande Seção, j. 21.10.2013, § 35 e seguintes: Anteriormente à chamada “doutrina Parot”, a remição da pena pelo trabalho era calculada sobre o máximo de 30 anos definido no Código Penal espanhol. Em 2006, a Suprema Corte da Espanha alterou este entendimento ao julgar um recurso de Henri Parot, membro de uma organização terrorista condenado a milhares de anos de prisão por diversos assassinatos, quando passou a compreender que a remição da pena pelo trabalho deveria ser calculada sobre o total das penas aplicadas, e não sobre o limite de 30 anos. Na ocasião, a Suprema Corte espanhola decidiu que o princípio da vedação da retroatividade da lei penal prejudicial ao réu não se aplica à alteração jurisprudencial. O precedente acabou ficando conhecido como “doutrina Parot”, que foi aplicada em decisões posteriores para casos semelhantes.
O presente caso trata da situação de Inés Del Río Prada, condenada a mais de 3 mil anos por atentados terroristas, a quem foi aplicada a “doutrina Parot” e, com o cálculo da remição pelo trabalho sobre o total da pena imposta – e não sobre o limite de 30 anos -, a extinção da sua pena foi adiada.
O Tribunal Europeu não exclui a possibilidade de que medidas adotadas pelo Legislativo, pelas autoridades administrativas ou pelos tribunais após a sentença final ou durante o cumprimento da pena possam resultar na redefinição ou modificação do alcance da “penalidade” imposta pelo juízo de primeira instância. Quando isso ocorre, o Tribunal considera que as medidas devem ser compreendidas no âmbito da proibição de aplicação retroativa das penas consagrada no art. 7.1 da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos. Caso contrário, os Estados estariam livres – alterando a lei ou reinterpretando as normas estabelecidas, p. ex. – para adotar medidas que redefinissem retroativamente o alcance da pena aplicada, em prejuízo do condenado, mesmo este não podendo ter imaginado tal desenvolvimento no momento em que o crime foi cometido ou a pena foi imposta. Nessas condições, o art. 7.1 da CEDH ficaria privado de qualquer efeito útil para os condenados, cujas penas tenham sido alteradas ex post facto em seu desfavor. A Corte ressalta que tais mudanças devem ser diferenciadas das mudanças feitas na forma de execução da pena, que não se enquadram no escopo do art. 7.1 da CEDH.
O desenvolvimento progressivo do Direito Penal através da interpretação judicial insere-se na tradição jurídica dos Estados-partes da Convenção. O art. 7º da CEDH não pode ser interpretado no sentido de proibir o esclarecimento gradual das regras de responsabilidade penal através da interpretação judicial caso a caso, desde que o desenvolvimento resultante seja consistente com a essência do crime e possa ser razoavelmente previsto.
O Tribunal considera que a aplicação da “doutrina Parot” à situação da requerente privou de qualquer efeito útil as remições de pena por trabalho realizado na prisão a que tinha direito por lei e de acordo com as decisões finais dos juízes responsáveis pela execução das sentenças.
Em outras palavras, a recorrente foi condenada a um conjunto de penas de prisão de longa duração, que foram combinadas e limitadas a uma pena efetiva de 30 anos, sobre as quais as remições de pena a que deveria ter direito não surtiram qualquer efeito. É significativo que o Governo não tenha conseguido especificar se as remições de pena concedidas à requerente por trabalho realizado em detenção tiveram – ou terão – algum efeito sobre a duração de sua prisão.
O Tribunal entende que embora os Estados sejam livres para determinar sua própria política criminal, aumentando, p. ex., as penas aplicáveis aos crimes, devem cumprir os requisitos do art. 7º da CEDH ao fazê-lo, não se admitindo a aplicação retrospectiva da lei penal em caso de prejuízo do acusado.
À luz do exposto, a Corte considera que no momento em que a requerente foi condenada e no momento em que foi notificada da decisão de combinar suas penas e fixar uma pena máxima de prisão, não havia indicação de qualquer linha perceptível de evolução jurisprudencial em consonância com o novo entendimento do Judiciário espanhol. Assim, a recorrente não tinha motivos para acreditar que a Suprema Corte da Espanha se afastasse da sua anterior jurisprudência e, consequentemente, aplicasse as remições de pena que lhe fossem concedidas em relação ao total de penas aplicadas.
Assim, houve violação do art. 7º da CEDH. O Tribunal observa que a aplicação da mudança jurisprudencial à situação da recorrente atrasou efetivamente a data da sua libertação em quase nove anos, tendo cumprido, portanto, uma pena de prisão mais longa do que deveria ter cumprido nos termos da legislação nacional em vigor no momento da sua condenação. Tendo em conta as circunstâncias particulares do caso e a necessidade urgente de pôr fim às violações da Convenção, o Tribunal considera que compete ao Estado demandado assegurar que a requerente seja colocada em liberdade o mais rapidamente possível.

 

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