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Ilegalidade de cláusula de perdimento de bem em ANPP

STJ, HC 973.828, Rel. Min. Daniela Teixeira, decisão monocrática de 25.2.2025: Em primeiro lugar, ao contrário do que foi alegado pelo MPF, há possibilidade de sindicância judicial de cláusula de acordo de não persecução penal em habeas corpus, em razão do risco potencial ao direito ambulatorial do paciente que, submetido a cláusula abusiva, pode vir a descumpri-la e voltar a se submeter à persecução penal.
De fato, o acordo de não persecução penal é um negócio jurídico processual que concede às partes o direito de negociarem obrigações previstas em Lei em troca da não propositura da ação penal. No entanto, a liberdade das partes para a pactuação das cláusulas não é absoluta e está sujeita ao controle judicial. Segundo o artigo 28-A, § 5º, do CPP, se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor. Cabe ao juiz, portanto, avaliar se há cláusula abusiva, que coloca o investigado em situação de manifesta desvantagem, em prejuízo desproporcional à gravidade do fato ou a obrigações que sequer podem ser impostas pelo Poder Judiciário.
Embora o ANPP tenha características de negócio jurídico que autoriza a pactuação de cláusulas a serem cumpridas, tais condições devem atender os requisitos da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além de ser suficientes para a reprovação e a prevenção do crime praticado. Dessa forma, o acordo de não persecução penal não deve ser, em nenhuma hipótese, mais prejudicial ao réu, sob pena de desvirtuamento do instituto. Não há possibilidade de previsão de cláusula que constitua obrigação mais gravosa para o investigado que uma sanção possível de ser aplicada pelo Poder Judiciário.
Em que pese a discricionariedade das partes na pactuação das condições, o Ministério Público deve zelar pela correta aplicação da lei e evitar acordos abusivos, desproporcionais ou não razoáveis e o Judiciário não pode compactuar com um ANPP teratológico.
Firmadas essas premissas, verifico que o paciente foi denunciado perante a 1ª Vara Criminal Regional de Bangu da Comarca da Capital (Processo nº 0812521-69.2024.8.19.0204) pela suposta prática do crime previsto no artigo 311, § 2º, III do Código Penal (conduzir veículo automotor com sinal identificador que devesse saber estar adulterado). Na verdade, segundo a denúncia (e-STJ fls. 17), havia um pedaço de papelão ocultando a placa da motocicleta. Não se trata de chassi adulterado ou de placa falsa, mas sim de um simplório estratagema para dificultar a fiscalização das autoridades de trânsito e evitar a aplicação de multas. Pelo que consta, o veículo está regular, razão pela qual o perdimento de bem pactuado no ANPP constitui cláusula abusiva, desproporcional à gravidade do fato.
A abusividade fica ainda mais evidente porque o perdimento não poderia ser decretado sequer pelo Judiciário, uma vez que o objeto, instrumento do crime, é um bem lícito (art. 91, II, “a”, do Código Penal). Essa cláusula é abusiva e sua permanência causa constrangimento ilegal.
Por esses fundamentos, não conheço do habeas corpus substitutivo e, na análise de ofício, na forma do art. 647-A do CPP, concedo de ofício a ordem de habeas corpus, para nulificar a cláusula de perdimento de bem, mantidas as demais condições do acordo de não persecução penal.

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