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Espelhamento de mensagens por whatsapp web como um meio de ação controlada e infiltrada virtual

STJ, AgRg no AREsp 2.318.334, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, j. 16.4.2024: É possível a utilização, no ordenamento jurídico pátrio, de ações encobertas, controladas virtuais ou de agentes infiltrados no plano cibernético, desde que o uso da ação controlada na investigação criminal esteja amparado por autorização judicial. A chancela jurídica, portanto, possibilita o monitoramento legítimo, inclusive via espelhamento do software Whtastapp Web, outorgando funcionalidade à persecução virtual, de inestimável valia no mundo atual. A prova assim obtida, via controle judicial, não se denota viciada, não inquinando as provas derivadas, afastando-se a teoria do fruits of the poisounous tree na hipótese.
No ordenamento pátrio, as ações encobertas recebem a denominação de infiltração de agentes. A Lei que trata acerca de Organizações Criminosas, Lei n. 12.850/2013, prevê que, em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros procedimentos já previstos em lei, infiltração, por policiais, em atividade de investigação, mediante motivada e sigilosa autorização judicial. Objetiva-se a outorga, ao agente estatal, da possibilidade de penetrar na organização criminosa, participando de atividades diárias, para, assim, compreendê-la e melhor combatê-la pelo repasse de informações às autoridades. a ação controlada, pela via do agente infiltrado, resulta em atuação que visa obter prova para incriminar o suspeito, ganhar sua confiança pessoal, mantendo-se a par dos acontecimentos, acompanhando a execução dos fatos e praticando atos de execução, se necessário, como forma de conseguir a informação necessária ao fim da investigação. O agente infiltrado, portanto, tem, ou pode ter, intervenção direta sobre os atos preparatórios e de execução na prática do crime. Da natureza da figura do agente infiltrado, portanto, ter influência no modo como o crime é praticado.
Além da já mencionada lei de organizações criminosas (Lei n. 12.850/2013) admitir ações infiltradas, quando houver indícios atuação de organização criminosa, outras legislações, como a Lei n. 11.343/2006 (Lei de Tóxicos), em seu art. 53, I, contempla a possibilidade de infiltração de agentes (operação undercover) na persecução penal do tráfico ilícito de entorpecentes, como ocorrido na hipótese. De se mencionar, ainda, que a lei que regulamenta o Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014), que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para uso da Internet no Brasil, garante o acesso e a interferência no “fluxo das comunicações pela Internet, por ordem judicial”. De idêntica forma, a mesma Lei n. 12.850/2013 (Lei da ORCRIM), com redação trazida pela Lei 13.694/2019, passou a prever, de forma expressa, a figura do agente infiltrado virtual, em seu art. 10- A.
De outra banda, a Lei n. 9.296/1996 (Interceptação Telefônica), permite, por suas vez, em seu art. 1º, parágrafo único, a quebra do sigilo no que concerne à comunicação de dados, mediante ordem judicial fundamentada. Nesse ponto reside a permissão normativa para quebra de sigilo de dados informáticos, na hipótese, e, de forma subsequente, para permitir a interação, a interceptação e a infiltração do agente, inclusive pelo meio cibernético, consistente no espelhamento do Whatsapp Web. A lei de interceptação, em combinação com a Lei das Organizações Criminosas, na hipótese, outorga legitimidade (legalidade) e dita o rito (regra procedimental), a mencionado espelhamento, em interpretação progressiva, em conformidade com a realidade atual, para adequar a norma à evolução tecnológica.
A potencialidade danosa dos delitos praticados por organizações criminosas, pelo meio virtual, aliada a complexidade e dificuldade da persecução penal no âmbito cibernético, como na hipótese, devem levar a jurisprudência a admitir as ações controladas e infiltradas, como na presente hipótese, no mesmo plano virtual. De fato, nos últimos anos, as redes sociais e respectivos aplicativos se tornaram uma ferramenta indispensável para a comunicação, interação e compartilhamento de informações em todo o mundo. Entretanto, essa rápida expansão e influência também trouxeram consigo uma série de desafios e problemas no âmbito da investigação, no meio virtual, tornando-se a evolução da jurisprudência acerca do tema questão cada vez mais relevante e urgente.
Nessa esteira, como já mencionado, a Lei n. 9.296/1996, que regulamenta as interceptações, conjugada com a Lei n. 12.850/2013, Lei das Organizações Criminosas, permitem a ação controlada e infiltrada virtual, desde que observadas a cláusula de reserva de jurisdição e a finalidade para investigação criminal, atentando-se para o juízo de ponderação dos valores constitucionais em jogo. Nada obstante se possa levantar problemas de ordem moral na utilização da ação controlada e do agente infiltrado, levantandose infração a limites éticos, observação feita no bojo do voto condutor do acórdão exarado pelo Tribunal recorrido, fato é que o crescimento e desenvolvimento de novas formas de atuação da criminalidade coloca o processo penal em xeque, na medida em que a persecução penal realizada nos moldes tradicionais, com métodos de investigação já comumente conhecidos, tem se mostrado insuficiente no combate à delinquência organizada moderna.
Impositivo se mostra, na hipótese em apreço, o estabelecimento de regras processuais compatíveis com a modernidade do crime organizado, porém, sempre respeitando, dentro de tal quadro, os direitos e garantias fundamentais do investigado. Tal desiderato restou alcançado na medida em que, no ordenamento pátrio, a infiltração, igualmente a outros institutos que restringem garantias e direitos fundamentais, está submetida ao controle e amparada por ordem de um juiz competente. Não há empecilho, portanto, na utilização de ações encobertas ou agentes infiltrados na persecução de delitos, pela via dos meios virtuais, desde que, conjugados critérios de proporcionalidade (utilidade, necessidade), reste observada a subsidiariedade, não podendo a prova ser produzida por outros meios disponíveis.
A ação controlada e a infiltração, que se configuram como técnica especial de investigação voltada ao combate da criminalidade moderna, deve ser admitida quando a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis, desde que comprovada sua necessidade. É o que se dá na hipótese dos autos, com o autorizado espelhamento via software Whatsapp Web, como meio de infiltração investigativa, na medida em que a interceptação de dados direta, feita no próprio aplicativo original do Whastapp, se denota, por vezes, despicienda, em face da conhecida criptografia ponta a ponta que vigora no aplicativo original, impossibilitando o acesso ao teor das conversas ali entabuladas. Concebe-se plausível, portanto, que o espelhamento autorizado via software Whatsapp Web, pelos órgãos de persecução, se denote equivalente à modalidade de infiltração do agente, que consiste, como já asseverado, em meio extraordinário, mas válido, de obtenção de prova.
Pode, desta forma, o agente policial valer-se da utilização do espelhamento pela via do software Whatsapp Web, desde que respeitados os parâmetros de proporcionalidade, subsidiariedade, controle judicial e legalidade, calcado pelo competente mandado judicial, como ocorrido na hipótese presente. De fato, como já asseverado supra, a Lei n. 9.296/1996, que regulamenta as interceptações, conjugada com a Lei n. 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas), outorgam substrato de validade processual às ações infiltradas no plano cibernético, desde que observada a cláusula de reserva de jurisdição.
Pode-se argumentar que a prova obtida pela via do espelhamento, através do software Whatsapp Web, como modalidade de investigação, via agente infiltrado, implicaria em malferimento à prerrogativa do acusado de não produzir provar contra si mesmo (against selfincrimiantion) ou ao direito de permanecer em silêncio. Contudo, o respeito ao acusado, na condição de sujeito processual, tão somente impede que o Estado obrigue o investigado a produzir prova contra si mesmo. Desta forma, se o investigado vem a produzir, de forma espontânea, prova apta a corroborar sua inculpação, referida prova deverá ser valorada no processo, ante sua validade. É o que se dá na hipótese do multimencionado espelhamento.
De idêntica forma, a objeção de que a facilidade de manipulação da prova obtida pela via do espelhamento do Whatsapp Web, pelo agente infiltrado, tornaria invalida a evidência por tal meio obtida não merece guarida, na medida em que esta Corte Superior tem adotado entendimento pacífico no sentido de que é despicienda a realização de perícia a fim de comprovar a fidedignidade das gravações, que são presumidamente autênticas, possuindo fé pública os agentes policiais envolvidos na operação. Tal entendimento independe da forma de transmissão das interceptações, se oriundos de gravações de áudio ou captação de mensagens de texto.
No caso dos autos, não houve comprovação de qualquer adulteração no decorrer probatório, nenhum elemento veio aos autos a demonstrar que houve adulteração da prova, alteração na ordem cronológica dos diálogos ou mesmo interferência de quem quer que seja, a ponto de invalidar a prova, salvo, naturalmente, a eventual ingerência e interação que decorre da atuação na ação controlada e da condição de agente infiltrado aqui reconhecida, não podendo referida invalidade ser presumida.

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