STF, HC 172.136, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, j. 10.10.2020: A jurisprudência da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de possibilitar a impetração de “habeas corpus” coletivo, notadamente nos casos em que se busca a tutela jurisdicional coletiva de direitos individuais homogêneos, sendo irrelevante, para esse efeito, a circunstância de inexistir previsão constitucional a respeito.
Há, lamentavelmente, no Brasil, no plano do sistema penitenciário nacional, um claro , indisfarçável e anômalo “estado de coisas inconstitucional” resultante da omissão do Poder Público em implementar medidas eficazes de ordem estrutural que neutralizem a situação de absurda patologia constitucional gerada, incompreensivelmente , pela inércia do Estado, que descumpre a Constituição Federal, que ofende a Lei de Execução Penal, que vulnera a essencial dignidade dos sentenciados e dos custodiados em geral, que fere o sentimento de decência dos cidadãos desta República e que desrespeita as convenções internacionais de direitos humanos (como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a Convenção Americana de Direitos Humanos e as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos – “Regras de Nelson Mandela” –, entre outros relevantes documentos internacionais).
O Estado brasileiro, agindo com absoluta indiferença em relação à gravidade da questão penitenciária, tem permitido, em razão de sua própria inércia, que se transgrida o direito básico do sentenciado de receber tratamento penitenciário justo e adequado, vale dizer, tratamento que não implique exposição do condenado (ou do preso provisório) a meios cruéis, lesivos ou moralmente degradantes (CF, art. 5º, incisos XLVII, “ e”, e XLIX), fazendo-se respeitar, desse modo, um dos mais expressivos fundamentos que dão suporte ao Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).
Constitui verdadeiro paradoxo reconhecer-se, de um lado, o “direito à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol ” (LEP, art. 52, IV), em favor de quem se acha submetido, por razões de “subversão da ordem ou disciplina internas” no âmbito penitenciário, ao rigorosíssimo regime disciplinar diferenciado (RDD) instituído pela Lei nº 10.792/2003, e negar, de outro, o exercício de igual prerrogativa de ordem jurídica a quem se acha recolhido a pavilhões destinados à execução de medidas disciplinares ordinárias (“Pavilhão Disciplinar”) e à proteção de detentos ameaçados (“Pavilhão de Seguro”), tal como ora denunciado, com apoio em consistentes alegações, pela douta Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
A cláusula da reserva do possível é ordinariamente invocável naquelas hipóteses em que se impõe ao Poder Público o exercício de verdadeiras “escolhas trágicas”, em contexto revelador de situação de antagonismo entre direitos básicos e insuficiências estatais financeiras. A decisão governamental, presente essa relação dilemática, há de conferir precedência à intangibilidade do “mínimo existencial”, em ordem a atribuir real efetividade aos direitos positivados na própria Lei Fundamental da República e aos valores consagrados nas diversas convenções internacionais de direitos humanos. A cláusula da reserva do possível, por isso mesmo, é inoponível à concretização do “mínimo existencial”, em face da preponderância dos valores e direitos que nele encontram seu fundamento legitimador.
Ordem concedida para determinar à Administração da Penitenciária “Tacyan Menezes de Lucena”, em Martinópolis/SP, que adote providências que permitam assegurar, de modo efetivo, a todos os presos (tanto os condenados quanto os provisórios), especialmente aos recolhidos nos pavilhões de medida preventiva de segurança pessoal (“Pavilhão de Seguro”) e disciplinar (“Pavilhão Disciplinar”), o direito à saída da cela pelo período mínimo de 02 (duas) horas diárias para banho de sol. Estendem, finalmente, de ofício, nos mesmos termos e observados os mesmos limites ora delineados neste acórdão, o benefício do banho de sol, por pelo menos 02 (duas) horas diárias, ora concedido nesta sede processual, a todos os internos que, independentemente do estabelecimento penitenciário a que se achem recolhidos, estejam expostos, objetivamente, a situação idêntica ou assemelhada à que motivou a concessão do presente “writ ” constitucional, nos termos do voto do Relator.
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