STF, RE 1.158.497, Rel. Min. Edson Fachin, decisão monocrática de 25.06.2020: A Constituição Federal, no rol dos direitos e garantias fundamentais, prevê que ninguém será submetido à tratamento desumano e degradante, assim como veda penas de caráter cruel (art. 5º, III e XLVII, alínea e).
Igualmente no catálogo de direitos e garantias fundamentais está previsto que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (art. 5º, XLV). Trata-se do princípio da intranscendência da pena, segundo o qual, a responsabilidade no âmbito do Direito Penal revela-se de natureza pessoal, razão por que a pena não pode ultrapassar a esfera pessoal do condenado, nem implicar restrições a direitos fundamentais de outrem.
Por sua vez, especificamente no plano dos direitos da criança e do adolescente, a Constituição Federal, em seu art. 227, assegura a proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, bem como o direito à convivência familiar.
Consigno, ainda, que os referidos dispositivos constitucionais, ao assegurarem o direito à dignidade da pessoa presa e o direito da criança e do adolescente à convivência familiar, estão em sintonia com tratados internacionais sobre direitos humanos.
Nesse sentido, a CADH, internalizada pelo Decreto nº 678/1992, prevê, em seu art. 5º, que “toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano” e que a pena não pode passar da pessoa do apenado. Aponta, ainda, que “as penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”.
Na mesma linha, as Regras Mínimas para Tratamento de Presos da Organização das Nações Unidas – ONU, denominadas de Regras de Mandela, aprovadas em Assembleia Geral em 2015, asseguram o direito do preso à comunicação periódica com familiares, sem restrição ao grau de parentesco, por meio de visitas. Nas Regras Mínimas da ONU ainda está prevista a entrada de crianças em unidades prisionais, com a ressalva de que não serão submetidas à revista.
Por sua vez, o direito da criança em ter preservada suas relações familiares é assegurado pela Convenção sobre os Direitos da Criança, internalizada pelo Decreto nº 99.710/1990.
Já no âmbito da legislação interna, ao dar concretude e densidade aos dispositivos constitucionais e aos tratados de direitos humanos citados, a Lei de Execução Penal assegura o preso o direito à convivência familiar por meio de visitas de parentes (art. 41, X). De igual modo, o ECA garante o direito da criança e do adolescente de conviver com o pai ou a mãe privado de liberdade por meio de visitas periódicas, independentemente de autorização judicial (art. 19).
A partir desse cenário normativo, cumpre ressaltar que a execução penal objetiva não apenas a implementação da sanção penal imposta ao condenado, mas também criar condições para a integração social daquele que sofre a sanção e que, mais cedo ou mais tarde, retornará ao convívio social. A visitação periódica, por seu turno, é uma forma de propiciar essa integração social do condenado, o qual, embora cumpra pena, não foi excluído da sociedade.
Ademais, como visto, a LEP, assim como as Regras de Mandela, ao tratarem sobre o direito de visita, não fazem restrição ao grau de parentesco do preso. Por sua vez, o ECA, mesmo que não faça menção expressa aos avós, protege, categoricamente, o direito da criança e do adolescente de conviver com o seu familiar, ainda que este esteja privado de liberdade, por meio de visita periódica.
Mas não é só. A Lei 8.069/90, ao resguardar o direito da criança e do adolescente de conviver com o seu familiar preso por meio de visitas, autoriza, por via de consequência, o ingresso de menores em unidades prisionais. E o faz justamente para preservar o direito à convivência familiar, em sua forma integral e sem distinção, em observância ao disposto no art. 227 da CF.
Não bastasse, além de violar o disposto no art. 227 da CF, negar à criança e ao adolescente o direito de visitar o seu familiar preso, implica o estabelecimento de pena que ultrapassa a pessoa do condenado e, dessa forma, restringe direitos fundamentais de outrem sem relação com o fato criminoso, em verdadeira afronta ao disposto no art. 5º, XLV, da CF.
Além do mais, mesmo que se reconheça que as estruturas físicas dos estabelecimentos prisionais brasileiros, em grande maioria, não atendem as disposições da LEP, a solução não é o poder público vedar o exercício do direito de visitas por crianças e adolescentes ao seu familiar preso, sobretudo quando se cuida de ascendentes, como no caso em apreço. Ao revés, em atenção à proteção integral da criança e do adolescente e ao direito à convivência familiar, a forma de equacionar a questão é o Estado assegurar que essas visitas sejam feitas da maneira mais adequada possível, como, por exemplo, por meio de definição de dias específicos para a visitação de crianças e adolescentes; limitação do número de visitantes; necessidade de acompanhamento do menor por um responsável maior de idade; proibição de revista de natureza íntima em menores; preparo de local para o exercício desse direito sem que se coloque em risco a integridade física e psíquica dos visitantes.
A par disso, não se pode fazer um juízo a priori como o realizado pelo STJ no sentido de que, ao negar o direito de visita de netos aos avós, não se está a desrespeitar o direito de crianças ao convívio familiar, pois estas poderiam conviver com o pai, a mãe e outros familiares. Primeiro, porque a CF e o ECA não fazem essa distinção ao garantir o direito à convivência familiar. Depois, porque, nos dias atuais, em muitos núcleos familiares, são os avós, e não os pais, que conferem à criança ou ao adolescente o suporte educacional, financeiro e emocional para a vida adulta.
Ante o exposto, com fundamento no art. 21, § 1º, do RISTF, nego provimento ao recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público e dou provimento ao recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal para restabelecer o acórdão proferido pelo TJSC e autorizar a realização de visitas dos netos do apenado, acompanhados do responsável legal, nos moldes estabelecidos pela Corte local, respeitadas as demais disposições do respectivo estabelecimento prisional e ressalvada a suspensão temporária do exercício desse direito caso a visitação à unidade prisional esteja suspensa em razão da pandemia decorrente da COVID-19.