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Crime de estupro e negativa superveniente para a prática de sexo anal

STJ, AgRg no REsp 2.105.317, Rel. p/ acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, j. 13.8.2024: A controvérsia reside na análise da presença, ou não, dos requisitos necessários para a caracterização do tipo penal previsto no art. 213 do Código Penal, diante do arcabouço probatório já analisado pelas instâncias de origem e apontado na sentença e acórdão atacado. O delito de estupro tutela a liberdade sexual de qualquer pessoa, consistente na possibilidade de escolher livremente com quem e quando manter relações sexuais. O constrangimento configurador do núcleo do tipo do crime pode se dar mediante violência ou grave ameaça. E, no caso analisado, a violência ficou configurada pelo uso de força física para vencer a resistência da vítima apresentada por meio do seu dissenso explícito e reiterado para com o coito anal.
É certo que o dissenso da vítima é fundamental para a caracterização do delito. Portanto, a discordância da ofendida precisa ser capaz de demonstrar sua oposição ao ato sexual. Além disso, a concordância e o desejo inicial têm que perdurar durante toda a atividade sexual, pois a liberdade sexual pressupõe a possibilidade de interrupção do ato sexual. O consentimento anteriormente dado não significa que a outra pessoa possa obrigá-la à continuidade do ato sexual. Se um dos parceiros decide interromper a relação sexual e o outro, com violência ou grave ameaça, obriga a desistente a continuar, haverá a configuração do estupro.
Concluiu o Juízo a quo, analisando detidamente as provas constantes dos autos, que, embora inicialmente tenha a vítima consentido com o ato sexual, no curso da relação houve a negativa concreta dela em praticar o coito anal e, mesmo assim, com expresso dissenso, e reiterados pedidos para que parasse o ato, o réu ignorou o pleito e, exercendo força física, aqui caracterizada por continuar introduzindo o pênis com força, segurar a vítima e colocar o peso do seu corpo sobre o dela, persistiu até obter o seu intento. Ou seja, o acusado, mesmo ciente da discordância expressa da vítima, continuou a relação sexual mediante uso da força física.
Quanto à ausência de resistência mais severa, o dispositivo do Código Penal que tipifica o delito de estupro não exige determinado comportamento ou forma de resistência da vítima. Exige sim, implicitamente, o dissenso, o que restou comprovado nos autos e que deveria ter sido respeitado prontamente.
Identifica-se aqui, semelhante ao que ocorreu no caso julgado por esta Corte (REsp n. 2.005.618/RJ), a tentativa de camuflar a discriminação contra as mulheres com a suposta necessidade de um rigoroso standart probatório, inexistente para outras modalidades de crimes, a exemplo da exigência de resistência física enérgica ou heroica, da desqualificação moral da vítima, do desvalor do depoimento da ofendida, dentre outros.
O fato de a vítima não ter reagido física ou ferozmente não exclui o crime, já que, no caso concreto, como já dito, houve o dissenso claro, inclusive, reiterado. Aliás, pelos mesmos motivos expostos, tampouco o fato de ela, por fim, ter se submetido ao ato, esperando terminar, afasta o crime violento perpetrado, se demonstrada a expressa discordância. A (relativa) passividade, após a internalização de que a resistência ativa não será capaz de impedir o ato, não é, por diversos fatores, incomum em delitos dessa natureza. Especialmente no caso em que a vítima esclareceu que o denunciado a pegou com força, colocou seu peso e, diante disso, mas também pelo fato de que tinha ingerido bebida alcoólica (estaria entorpecida, mas não vulnerável), não teve forças para impedir o coito forçado praticado pelo denunciado.
Se as relações humanas fossem como a ciência exata da matemática ou vivêssemos em tempos passados, talvez, e ainda somente talvez, pudéssemos pensar em excluir a prática de crime tão violento por simples trocas posteriores de mensagens ou, quem sabe, pelo fato de a vítima não ter forças ou não aguentar mais resistir à brutalidade a que está sendo submetida e parar de reagir e somente torcer para que a violência chegasse logo ao fim. Mas a realidade é muito mais complexa. A conclusão pela não caracterização do delito não pode decorrer de atitudes posteriores de quem foi ofendida e que, possivelmente, ainda que de forma inconsciente, pode estar buscando mecanismos para diminuir o peso errôneo da culpa ou mesmo sobreviver mental e fisicamente à violência a que fora exposta.
Pela leitura dos trechos transcritos, extrai-se, também, claramente, a violência empregada pelo réu no ato, tanto no momento em que a ofendida relata que ele foi enfiando com mais força, pediu para que ele parasse, porque estava doendo, e ele a ignorou; pediu mais algumas vezes para parar, porque estava doendo, e ele a ignorou, como no momento em que o réu a pegou com força e colocou seu peso contra a vítima para conseguir praticar o coito anal.
Portanto, in casu, estão presentes todas as elementares do tipo penal do estupro, já que a vítima foi constrangida – pois não queria o coito anal – a praticar ato sexual mediante violência.
O Tribunal de origem, ao tentar desacreditar a palavra da vítima em função de seu comportamento posterior e indicar a inexistência de testemunhas presenciais, afastou-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, há muito consolidada, de que o depoimento da vítima, em crimes sexuais, possui especial valor probante, notadamente no caso concreto em que há inúmeros outros relatos de outras ofendidas que suportaram semelhante modus operandi.
Agravo regimental provido para conhecer e prover o recurso especial para restabelecer a sentença condenatória

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