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Constitucionalidade e delineamento da atuação do juiz de garantias

STF, ADI 6.298, Rel. Min. Luiz Fux, Plenário, j. 24.8.2023: O juiz das garantias, embora formalmente concebido pela lei como norma processual geral, altera materialmente a divisão e a organização de serviços judiciários em nível tal que enseja completa reorganização da justiça criminal do país, de sorte que inafastável considerar que os artigos 3º-A ao 3º-F demandam compatibilização das diversas normas de organização judiciária locais. O juízo das garantias e sua implementação causam impacto financeiro relevante ao Poder Judiciário, especialmente com as reestruturações e redistribuições de recursos humanos e materiais, bem como com o incremento dos sistemas processuais e das soluções de tecnologia da informação correlatas, a exigir a adaptação das diversas leis de organização judiciária das justiças federal e estaduais.
A criação obrigatória dos juízos de garantias, obrigando sua implementação em todas as unidades judiciárias do país, analisada sob o ângulo da iniciativa legislativa privativa do Judiciário para dispor sobre normas de organização judiciária, bem como das competências legislativas das unidades federadas, previstas na Constituição, não incorrem em inconstitucionalidade formal.
Reconhecida a manifesta irrazoabilidade da vacatio legis de 30 dias para a implementação da medida em todo o território nacional, composto majoritariamente por localidades dotadas de varas únicas. Realidades locais absolutamente desconsideradas pelo texto normativo, conforme se verifica das manifestações de todos os 27 Tribunais de Justiça juntadas aos autos. Diante da potencial paralisação de todas as ações penais em curso no país e da inviabilização da prestação jurisdicional, deve ser concedido prazo de 12 meses, prorrogável por mais 12 meses, para que sejam adotadas as medidas legislativas e administrativas necessárias à adequação das diferentes leis de organização judiciária, à efetiva implantação e ao efetivo funcionamento do juiz das garantias em todo o país, tudo conforme as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça e sob a supervisão dele.
Consequentemente, ratificada a necessidade das medidas cautelares anteriormente concedidas, deve ser declarada a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do art. 20 da Lei 13.964/2019, quanto à fixação do prazo de 30 dias para a instalação dos juízes das garantias.
O artigo 3º-B, em seus 18 incisos, elencou as competências do juiz na fase do inquérito, correspondendo, em linhas gerais, à mera explicitação das funções já exercidas pelos juízes brasileiros no controle da legalidade da fase de investigação. Além das competências dos juízes de garantias, foram estabelecidas regras processuais e disciplinados atos processuais específicos, pertinentes à fiscalização dos atos de instauração e de arquivamento de inquérito pelo Ministério Público, à obrigatoriedade de realizar audiência pública e oral anteriormente à prorrogação de medidas cautelares e à produção antecipada de provas urgentes, competência para o recebimento da denúncia e vedação absoluta ao emprego da tecnologia de videoconferência nas audiências de custódia, sob pena de imediato relaxamento da prisão em flagrante, todas a demandar interpretação conforme a Constituição.
Os incisos IV, VIII e IX tratam da competência do juiz das garantias para a fiscalização de investigações criminais: “IV – ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal; […] VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo; IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento”. Considerada a frequente instauração de investigações criminais, sob outros títulos que não o de inquérito, deve ser dada interpretação conforme à Constituição aos referidos incisos, de modo a determinar que que todos os atos praticados pelo Ministério Público como condutor de investigação penal se submetam ao controle judicial e fixar o prazo de até 90 (noventa) dias, contados da publicação da ata do julgamento, para os representantes do Ministério Público encaminharem, sob pena de nulidade, todos os PIC e outros procedimentos de investigação criminal, mesmo que tenham outra denominação, ao respectivo juiz natural, independentemente de o juiz das garantias já ter sido implementado na respectiva jurisdição.
O artigo 3º-B, incisos VI e VII, estabelecem a obrigatoriedade da prévia realização de audiência pública e oral, para a prorrogação de medidas cautelares e a produção antecipada de provas urgentes e irrepetíveis, in verbis: “VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente; VII – decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral”. O disposto no inciso VI deve submeter-se à interpretação conforme a Constituição, para fins de prever que o exercício do contraditório será preferencialmente em audiência pública e oral. A previsão de audiência pública e oral previamente à produção antecipada de provas consideradas urgentes, contida no inciso VII, o dispositivo deve ser interpretado à luz da Constituição, para estabelecer que o juiz pode deixar de realizar a audiência quando houver risco para o processo, ou diferi-la em caso de necessidade.
A competência do juiz das garantias, nos termos do inciso XIV do artigo 3º-B, estender-se-ia até a fase do artigo 399 do Código Penal. O texto do dispositivo prevê competir-lhe “decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código”. Nada obstante, constata-se manifesto erro legístico, porquanto o artigo 399 do Código de Processo Penal estabelece que “Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente”. Trata-se, portanto, de ato de designação da audiência de instrução e julgamento, típica função do juiz da instrução da ação penal. Reconhecido o erro legístico e submetido o inciso XIV à interpretação sistemática, considerada a principiologia inspiradora do instituto do juiz das garantias, a Corte conferiu-lhe interpretação conforme a Constituição, para assentar que a competência do juiz das garantias cessa com o oferecimento da denúncia.
O artigo 3º-C, caput, do Código de Processo Penal, incluído pela Lei 13.964/2019, delimitou a extensão da competência do juiz das garantias, nos seguintes termos: “A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código”. As razões anteriormente expendidas revelam que o texto impugnado incorreu em erro legístico, do qual deriva a necessidade de restrição da competência para que cesse com o oferecimento da denúncia. Ademais, além das infrações penais de menor potencial ofensivo, de competência dos juizados especiais, a nova sistemática do juiz das garantias não se compatibiliza com o procedimento especial previsto na Lei 8.038/1990, que trata dos processos de competência originária dos tribunais; com o rito do tribunal do júri; com os casos de violência doméstica e familiar. Por tais motivos, deve ser atribuída interpretação conforme à primeira parte do caput do art. 3º-C do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, para esclarecer que as normas relativas ao juiz das garantias não se aplicam às seguintes situações: (1) processos de competência originária dos tribunais, os quais são regidos pela Lei nº 8.038/1990; (2) processos de competência do tribunal do júri; (3) casos de violência doméstica e familiar; e (4) infrações penais de menor potencial ofensivo.
Ao mesmo tempo, as referências à competência do juiz das garantias para receber a denúncia, constantes do caput e dos §§ 1º e 2º, do artigo 3º-C, revelam-se inconstitucionais, atribuindo-se interpretação conforme a Constituição no sentido de fixar que a competência do juiz das garantias cessa com o oferecimento da denúncia e, por conseguinte, oferecida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento.
O artigo 3º-E, incluído no Código de Processo Penal pela Lei 13.946/2019, consigna que “O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal. ” A designação caracteriza-se como ato administrativo de natureza discricionária e a título precário, incompatível com a garantia da magistratura pertinente à inamovibilidade, pressuposto da independência funcional. Por conseguinte, confere-se interpretação conforme a Constituição ao artigo 3º-E para assentar que o juiz das garantias será investido, e não designado, conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal.

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