STJ, CC 197.032, Rel. Min. Laurita Vaz, 3ª Seção, j. 14.06.2023: A situação retratada nos autos diz respeito à prática conhecida como ransomware ou extorsão digital ou cibernética, e que consiste, em síntese, no procedimento em que terceiro, por meio da internet, entra ilegalmente nos sistemas de informações de uma instituição e bloqueia o acesso ao banco de dados, passando a exigir do proprietário o pagamento de determinada quantia para que este possa novamente acessar as informações que lhe pertencem. O referido crime está entre aqueles que o Brasil se comprometeu a reprimir, ao firmar, em 2001, em Budapeste, a Convenção sobre o Crime Cibernético, que foi internalizada por meio do Decreto Legislativo n. 37/2021, e promulgada pelo Decreto n. 11.491/2023.
Em se tratando de crime previsto em tratado ou convenção internacional, a competência da Justiça Federal é firmada quando “quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente” (art. 109, inciso V, da Constituição da República), ou se for praticado “em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas”, nos termos do inciso IV, do mesmo dispositivo constitucional. Basta a presença de uma dessas hipóteses para que seja firmada a competência da Justiça Federal, não sendo necessária a presença concomitante de ambas, como entendeu o Juízo Suscitante.
É incontroverso entre os Juízos Suscitante e Suscitado que o delito não atingiu interesses da União, suas entidades autárquicas ou empresa pública federal, sendo o prejuízo integralmente suportado pelo particular, não sendo caso de incidência do art. 109, inciso IV, da Constituição da República. O Juízo Suscitado nada disse acerca da internacionalidade do delito, ao passo que o Juízo Suscitante afirmou inexistir prova da internacionalidade. Porém, o fez a partir de premissa equivocada, pois asseverou não estar provado o caráter transnacional do crime, tendo em vista que apenas o patrimônio do particular havia sido atingido. No entanto, essa circunstância não afasta a possibilidade de que a execução do crime tenha se iniciado no estrangeiro, devendo seu resultado ter produzido em território nacional. Em outras palavras, o fato de que o prejuízo foi exclusivamente suportado pelo particular, por si só, não exclui a chance de que o delito tenha caráter internacional.
No caso, ao contrário do afirmado pelo Juízo Suscitante, há prova da internacionalidade do delito, pois as investigações feitas pela autoridade policial constataram que tanto o registro como o acesso a ao menos um dos e-mails utilizados pelo criminoso, para a prática do delito, foram feitos no estrangeiro. Firmada a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso V, da Constituição da República.
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