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Competência para julgar crime de falsidade de documentos que seriam apresentados a Consulado de Estado estrangeiro

STJ, CC 171.171, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 3ª Seção, j. 09.12.2020: Conflito de competência incidente sobre inquérito policial instaurado para apurar suposta falsidade documental. Consta dos autos que a Arquidiocese de Mariana/MG foi procurada, por pessoa que solicitou a confirmação da autenticidade das certidões de batismo de seus pais, antes de apresentá-las ao Consulado da Itália para instruir pedido de obtenção de cidadania italiana em favor de sua filha. Todavia, a Arquidiocese constatou a contrafação das certidões e comunicou o fato à Polícia Civil.
No curso das investigações, o Juízo de Direito da 1a Vara Cível Criminal JIJ e JESP da Comarca de Mariana/MG, acolhendo manifestação da autoridade policial e do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, declinou da competência para a Justiça Federal ao fundamento de tratar-se de crime de interesse direto da União, conforme previsto no art. 109, incisos III e IV, da Constituição Federal. No âmbito da Justiça Federal, o Juízo da 4a Vara Federal de Belo Horizonte, embora tenha se manifestado no sentido de ser “questionável” a competência da Justiça Federal, houve por bem determinar a remessa do feito à Seção Judiciária do Paraná para avaliação de eventual conexão com os fatos apurados no PIC no 1.16.000.001024/2019-89. De outro lado, o Juízo Federal da 1a Unidade de Apoio de Curitiba – SJ/PR, além de afastar a conexão, alegou ausência de interesse da União e suscitou o presente conflito de competência.
A Convenção de Palermo, promulgada no Brasil pelo Decreto n. 5.015/2004, tem como foco a criminalização da lavagem de dinheiro, criminalização da corrupção e combate ao crime organizado. Levando-se em consideração a natureza do delito objeto das investigações e que, até no atual estágio das investigações, não se identificou atuação internacional de organização criminosa, referida convenção não se aplica ao caso concreto.
A falsificação de documentos públicos perante representação de Estado estrangeiro, dentro do território nacional, a fim de se obter visto e cidadania, não caracteriza hipótese de competência da Justiça Federal, pois inexiste interesse da União.
Ademais, no caso em análise, em princípio, o delito foi praticado em desfavor de pessoa que contratou empresa para dar andamento aos trâmites de obtenção de cidadania italiana. Nesse ponto, ainda que se levante a possibilidade de que a contratante tinha ciência da falsidade, não se tem notícias de que a documentação falsa chegou a ser apresentada perante o Consulado Italiano, porquanto a contrafação foi detectada pela Arquidiocese de Mariana/MG, a qual noticiou os fatos para a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais.
Na espécie, em vista da existência de delitos similares em outros estados da federação, com modus operandi semelhante, cabe ainda analisar a possibilidade de a investigação prosseguir perante a Polícia Federal por outro fundamento, qual seja: para propiciar a repressão uniforme de crime praticado por organização criminosa interestadual. Melhor explicando, o art. 144, § 1o, inciso I da CF prevê a possibilidade de alguns crimes com repercussão interestadual serem investigados pela Polícia Federal, ainda que não haja interesse da União nos moldes descritos no art. 109 da CF, desde que haja necessidade de repressão uniforme, nos termos em que dispuser a lei.
Todavia, o crime de falsidade documental não está contemplado nos incisos do art. 1o da Lei n. 10.446/2002, que regulamenta o art. 144, § 1o, da CF. Nesse contexto, em que ausente previsão legal expressa, a atuação da Polícia Federal depende de autorização do Ministro da Justiça, conforme parágrafo único do art. 1o da Lei n. 10.446/2002, o que não ocorreu no caso em análise. Nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal – CPP, “a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”. Assim, as investigações devem prosseguir perante a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, onde inicialmente foi apresentada a notitia criminis para apurar a prática de uso de documento falso perante a Arquidiocese de Mariana/MG e, em consequência, deve ser fixada a competência do Juízo de Direito da 1a Vara Cível Criminal JIJ e JESP da Comarca de Mariana/MG.
A jurisprudência tem reconhecido a possibilidade de declaração da competência de um terceiro juízo que não figure no conflito de competência em julgamento, quer na qualidade de suscitante, quer na qualidade de suscitado. No atual estágio das investigações, em que não há indícios de atuação de organização criminosa transnacional e diante da ausência de autorização de cooperação da Polícia Federal pelo Ministro da Justiça (art. 1o, parágrafo único, da Lei n. 10.446/2002), o inquérito policial deve retornar para a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, fixando-se, em consequência, a competência do Juízo de Direito da 1a Vara Cível Criminal JIJ e JESP da Comarca de Mariana/MG.

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