STJ, REsp 1.894.519, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 07.06.2022: A discussão acerca da correta capitulação jurídica dada aos fatos perpassa pela própria distinção entre os delitos previstos nos arts 171, § 3°, do CP e 40, caput e § 2o, da Lei n. 8.313/1991. No estelionato, a vantagem obtida por meio de fraude em prejuízo alheio pode ser qualquer uma que tenha conteúdo patrimonial; já no crime previsto no art. 40 da Lei Rouanet, a vantagem obtida com a fraude é previamente estabelecida (redução do imposto de renda) e o autor somente pode ser a pessoa que se beneficiou com o incentivo. No parágrafo 2o, equipara-se a conduta prevista no caput do art. 40 àquela de que quem se beneficia com os recursos oriundos da redução de imposto de renda (por meio da renúncia fiscal) e deixa de promover, sem justa causa, a atividade cultural objeto do incentivo.
O tipo penal previsto no art. 40 da Lei n. 8.313/1991 deve ser considerado especial em relação ao estelionato porque tem elementos da descrição geral com alguns outros elementos especializantes (específicos). A relação de especialidade ocorre quando um preceito penal reúne todos os elementos de outro e só se diferencia dele por conter, ao menos, um elemento adicional que permita antever a previsão fática de um ponto de vista específico. Assim, uma vez aparentemente aplicáveis ao mesmo fato uma norma geral (gênero) e outra norma especial (espécie), deve prevalecer a que contenha esses elementos especializantes, que melhor identificam o caso concreto.
A despeito da complexidade e da elaborada forma com que eram usados fraudulentamente os recursos públicos captados por meio de renúncia fiscal que deveriam ser destinados para a cultura, não há como deixar de reconhecer que o objeto central de todo o esquema engendrado e descortinado pela “Operação Boca Livre” era obter vantagem ilícita consistente em valores auferidos por meio da Lei Rouanet, os quais não eram aplicados em atividade cultural, objeto do incentivo.
Mostra-se inadequado, em razão dos fatos narrados e do princípio da especialidade, atribuir à conduta dos acusados o tipo previsto no art. 171, § 3o, do CP (estelionato contra a União), senão o delito previsto no art. 40 da Lei n. 8313/1991, dadas as especificidades que envolvem o caso, os quais têm regulamento e previsão típica própria, que tutela não só o aspecto tributário relacionando as renúncias fiscais, como afirma o recorrente, mas também importante aspecto ligado ao acesso e à democratização da cultura.
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