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A mentira no interrogatório não pode ser valorada negativamente na dosimetria da pena

STF, HC 195.937, Rel. Min. Edson Fachin, decisão monocrática de 02.02.2021: A motivação adotada pelas instâncias antecedentes, ao considerarem negativa a personalidade da paciente, centra-se no fato de ter a acusada mentido em juízo, o que demonstraria “distorção de caráter e a ausência de senso moral por parte da ré, que se vale da mentira com o propósito de impor tumulto à instrução processual e, maliciosamente, induzir em erro o julgador, com afronta à dignidade da justiça”. Nada obstante, à luz dos princípios norteadores do processo penal brasileiro, tal argumento não revela, isoladamente, motivação idônea para exasperação da reprimenda. A ausência de colaboração relacionada a questões cujo ônus recai sobre a acusação decorre da prerrogativa de não auto-incriminação e, portanto, não tem o condão de placitar o incremento da pena-base.
O direito ao silêncio, compreendido em sentido amplo, abarca também resultados probatórios que pressuponham condutas ativas da acusada, sob pena de que se admita a exigência de contribuição involuntária por parte do sujeito passivo da persecução criminal com o intuito de suprir o encargo probatório que incumbe à acusação.
Assim não fosse, admitindo-se gravosa como resultado de uma prerrogativa, negar-se-ia a essência do princípio do nemo tenetur se detegere e, na prática, haveria verdadeira inversão do ônus da prova, providência que, à obviedade, não se conforma com o sistema processual penal.
No que atine às supostas falsas versões prestadas em interrogatório, embora não se esteja, no momento a adentrar na discussão acerca da extensão do direito ao silêncio e se o réu ostenta um direito a mentir ou não, o fato é que as normas processuais não exigem do acusado o compromisso de dizer a verdade.
Em outros sistemas, é garantido que o acusado opte entre prestar declarações ou não. Mas, o fazendo, submete-se ao dever de dizer a verdade, sob pena de perjúrio. A hipótese brasileira não consagra essa obrigatoriedade, subtraindo do acusado, ainda que faltante com a verdade, a responsabilização penal e assim, por via reflexa, tampouco admite que tal circunstância impacte negativamente na reprimenda que será aplicada.
No caso concreto, as supostas declarações falsas estão sendo utilizadas, em última análise, como instrumento para a dosagem da responsabilização penal, exatamente o que o Código Penal pretendeu afastar. Ou seja, embora, em tese, as versões falseadas possam ser valoradas e utilizadas pelo Juiz da causa na formação da convicção final, ainda que em prejuízo do acusado, não se admite que essas declarações tidas como falsas, por essa simples condição e independentemente de seu conteúdo, justifiquem uma dosagem da pena mais severa. Isso porque, ao meu sentir, a simples falta da verdade não obsta que a acusação persiga a produção das provas que entender relevantes aos seus anseios e por isso não há como acolher a conclusão de que o agir da acusada acarretou “tumulto à instrução processual e, maliciosamente, induzir em erro o julgador, com afronta à dignidade da justiça”.
Não bastasse, essa Corte tem entendimento consagrado de que a valoração negativa da personalidade do infrator reclama avaliação criteriosa, assentada em laudos técnicos, não se relacionando, a princípio, com atos endoprocessuais tomados pelo acusado no intuito de autodefesa.

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