STF, AgR no HC 229.631, Rel. Min. Nunes Marques, decisão monocrática de 21.11.2023: De acordo com a previsão do art. 212, caput e parágrafo único, do Código de Processo Penal, as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, cabendo ao juiz a complementação da inquirição, sobre os pontos não esclarecidos. O princípio acusatório visa sobretudo a separar as funções do acusador e do julgador, mas não se pode extrair daí que o juiz, para ser imparcial, deva portar-se como um indivíduo sem vontade e completamente apático e desinteressado dos destinos do caso.
Consta da ata de audiência que as oitivas da vítima, de cinco testemunhas e o interrogatório do réu foram realizados sem a presença do órgão acusatório. A realização de audiência de instrução sem a presença do membro do Ministério Público revela não apenas o protagonismo do juiz nas inquirições, mas completo desrespeito ao princípio acusatório.
Observo que a situação ora em julgamento não se limita à inobservância do art. 212 do Código de Processo Penal, uma vez que as inquirições não foram apenas iniciadas pelo magistrado, mas por ele feitas integralmente, sem a necessária presença do órgão acusatório. A completa substituição, pelo magistrado, da atuação probatória do órgão de acusação afronta à estrutura acusatória do Processo Penal adotado pela Constituição da República (art. 129, I).
O Processo Penal estabelece um equilíbrio entre a iniciativa do juiz e o papel imparcial que ele deve desempenhar no processo judicial, o que decerto não pode ser obtido pela imobilização do magistrado. Em alguns casos, a iniciativa dele pode ser necessária para a condução do processo de forma justa e eficiente, garantindo-se que ambas as partes tenham a oportunidade de apresentar seus argumentos e provas de maneira completa.
Embora a antiga redação do art. 156 do Código de Processo Penal, vigente à época da audiência, autorizasse ao juiz a determinação, “de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”, a realização das inquirições da vítima, das testemunhas e do acusado, integralmente sem a presença do membro do Ministério Público consistiu em plena substituição ao órgão de acusação e em flagrante desrespeito ao princípio acusatório que vige no Processo Penal.
Desse modo, impõe-se o reconhecimento de nulidade da audiência de instrução realizada sem a presença do órgão de acusação.
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