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Localização das pessoas trans nas prisões

Corte IDH, Opinião Consultiva nº 29/2022 – Enfoques diferenciados a respeito de determinados grupos de pessoas privadas de liberdade, § 237 e seguintes: Vários instrumentos internacionais sobre o tratamento de pessoas privadas de liberdade reconhecem um princípio geral da separação das pessoas em razão do seu sexo. Os ambientes penitenciários foram pensados não somente desde um ponto de vista androcêntrico, mas também desde as lógicas dominantes da binariedade do sexo, a cisnormatividade e a heteronormatividade. Isso apresenta especiais desafios para o respeito e garantia dos direitos das pessoas trans, assim como das pessoas com identidades de gênero não-binárias. Deste modo, a falta de reconhecimento da identidade de gênero no contexto penitenciário implica um risco de violação de seus direitos e uma maior exposição à violência destas pessoas. Ademais, existe o consenso no marco do Direito Internacional dos Direitos Humanos de que, no geral, a classificação e a separação das pessoas privadas de liberdade jamais pode justificar um tratamento inferior ao recebido por outras pessoas presas, nem implicar tortura ou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.
Os Estados devem garantir o reconhecimento da identidade de gênero às pessoas, pois isso é de vital importância para o gozo pleno de outros direitos humanos. O respeito e o reconhecimento da identidade e expressão de gênero tem consequências especiais no tratamento das pessoas privadas de liberdade. É que a falta de reconhecimento da identidade de gênero constitui um fator determinante para que se sigam reforçando atos de discriminação e também pode se erigir em um obstáculo importante para o gozo pleno de todos os direitos reconhecidos pelo direito internacional.
Ao se referir à localização de pessoas LGBTI em centros penitenciários, a Corte lembra do Manual sobre Reclusos com Necessidades Especiais da Oficina das Nações Unidas contra Droga e o Delito (UNODC), o qual dispõe que as pessoas privadas de liberdade LGBTI não devem ser alojadas em celas com outros prisioneiros que possam colocar suas vidas em risco. Este instrumento dispõe que os Estados devem aplicar um sistema de classificação que reconheça as necessidades especiais de proteção das pessoas homossexuais, bissexuais e transsexuais e se ajuste ao princípio essencial de assegurar um entorno com melhor segurança. Para isso, se recomenda: a) levar em consideração a vontade e temores das pessoas privadas de liberdade; b) não colocar os reclusos homossexuais, bissexuais e transsexuais em dormitórios ou celas junto com reclusos que possam significar um risco para sua segurança; c) não assumir que é apropriado alojar pessoas trans de acordo com seu sexo designado ao nascer, mas sim consultar os reclusos envolvidos e considerar as diferentes necessidades de alojamento; e d) garantir que não exista discriminação na qualidade do alojamento dado a homossexuais, bissexuais e transsexuais.
A Corte adverte que as diversas formas que os Estados determinam a localização de uma pessoa LGBTI dentro de um centro penitenciário obedecem não somente a critérios relacionados ao respeito da sua identidade de gênero, mas também à prevenção da violência. Na região, a Corte tem identificado certas práticas estatais na escolha do alojamento das pessoas LGBTI privadas de liberdade: 1) colocar as pessoas LGBTI em pavilhões para pessoas detidas vulneráveis ou em risco (incluídas as pessoas que cometeram crimes sexuais); 2) criar pavilhões especiais; 3) ajustar, entre os reclusos e a administração penitenciária, espaços de proteção; e 4) recorrer ao isolamento, em especial das pessoas trans.
Tendo em conta os parâmetros desenvolvidos no Direito Internacional dos Direitos Humanos, assim como a prática estatal relevante, o Tribunal determina requisitos mínimos exigíveis de todos os Estados para estabelecer a localização de uma pessoa LGBTI num centro penitenciário. Em primeiro lugar, a Corte nota que, a partir dos artigos 5.1 e 5.2 da Convenção, os Estados contam com uma obrigação de registrar o sexo da pessoa privada de liberdade e de separar os reclusos homens das mulheres. A partir de uma interpretação evolutiva do texto da Convenção e dos parâmetros desenvolvidos a nível internacional sobre a matéria, a Corte considera que, no caso das pessoas trans, e intersex, deve-se consignar o nome e o gênero com o qual se identificam, segundo seja expressado voluntariamente pela pessoa privada de liberdade. A respeito das pessoas que não se identificam dentro do esquema binário de gênero, as autoridades penitenciárias devem anotar a informação em seus registros, consignando seu nome social. Os Estados devem garantir que a informação relativa à orientação sexual e identidade de gênero de uma pessoa serão confidenciais.
A Corte esclarece que, a partir do princípio da igualdade e da não discriminação, a determinação da localização de uma pessoa privada de liberdade não pode ser fundamentada em pré-concepções sobre sua identidade de gênero. Assim, o Tribunal entende que é possível que uma pessoa seja discriminada por motivo da percepção que outras tenham acerca de sua relação com um grupo ou setor social, independentemente de que isso corresponda com a realidade ou com a auto-identificação da pessoa. Por isso, os Estados estão obrigados, no âmbito da privação da liberdade, a oferecer oportunidades que permitam as pessoas presas manifestar livre e voluntariamente sua identidade de gênero, de forma confidencial e segura, antes ou durante sua reclusão.
Por outro lado, o Tribunal considera que os Estados devem assegurar que as medidas adotadas para designar um lugar para as pessoas LGBTI nas prisões não constituam, na prática, isolamento ou incomunicabilidade automática, um tratamento inferior ao oferecido ao restante das pessoas privadas de liberdade nem uma exclusão das atividades que são realizadas na prisão.
À luz dos parâmetros internacionais na matéria, a Corte considera que a localização de uma pessoa LGBTI dentro de um centro penitenciário deve ser determinada pelas autoridades estatais em conformidade com as particularidades de cada pessoa e sua situação específica de risco, em atenção ao contexto especial de cada Estado, mas sempre tendo como princípios reitores o respeito à identidade e expressão de gênero, evitando qualquer situação que produza problemas de convivência; a participação da pessoa interessada e a proteção contra violência da pessoa LGBTI e em relação ao restante da população prisional.
Cada estabelecimento ou administração penitenciária deverá contar com uma equipe profissional, técnico e multidisciplinar que determine racionalmente o alojamento mais digno e adequado para cada pessoa privada de liberdade, conforme a autopercepção e orientação sexual, de maneira que respeite sua dignidade, evite sua deterioração e reduza todas as possibilidades de conflitos e violências.

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