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Uso de perfis raciais na abordagem e privação de liberdade

Corte IDH, Caso Acosta Martínez e outros vs. Argentina. Sentença de 31.08.2020. Mérito, reparações e custas, § 92 e seguintes: Em conformidade com os fatos estabelecidos na presente sentença, os policiais chegaram ao lugar onde ocorreram os fatos e motivaram sua intervenção porque haviam recebido uma denúncia anônima de que no lugar se encontrava uma pessoa armada. Não obstante, embora a saída de uma boate estava muito concorrida no momento, ao chegar no local somente pediram a identificação e privaram da liberdade as pessoas afrodescendentes que se encontravam ali, sem que existissem elementos objetivos que permitissem determinar que uma delas portava uma arma. Além disso, uma vez verificada a identidade de Walter, Marcelo e Acosta Martínez e, embora nenhum deles correspondesse à pessoa armada que supostamente motivou a ação policial, eles foram levados a um departamento de polícia de Buenos Aires. No momento da prisão, o próprio Acosta Martínez manifestou que eles somente estavam sendo presos por serem negros.
O cenário demonstra que os agentes de polícia atuaram movidos mais por um perfil racial do que por uma verdadeira suspeita da prática de um crime. O caráter amplo da normativa dos decretos policiais lhes permitiu, posteriormente, justificar sua intervenção e conferir a ela uma aparência de legalidade. Porém, estas motivações demonstram o caráter arbitrário da detenção do senhor Acosta Martínez. Para analisar as motivações da abordagem e da privação de liberdade do senhor Acosta Martínez, deve-se levar em conta o contexto de discriminação racial e persecução policial que viviam as pessoas afrodescendentes na Argentina. Da mesma maneira, a amplitude das normas que facultam a polícia a privar de liberdade a partir de decretos que sancionam mais características do que condutas acaba resultando no seu uso arbitrário com base em preconceitos e estereótipos de certos grupos que coincidem com aqueles historicamente discriminados.
O programa de ação de Durban define os perfis raciais como “a prática dos agentes de polícia e outros funcionários encarregados de fazer cumprir a lei de basear-se, em menor ou maior grau, na raça, na cor, na ascendência ou na origem nacional ou étnica como motivo para submeter as pessoas a atividades de investigação ou para determinar se uma pessoa realiza atividades delitivas”. O Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial tem feito referência a estas práticas definindo-as como “os interrogatórios, as detenções e as buscas baseadas de fato exclusivamente no aspecto físico do indivíduo, na sua cor, nos seus traços faciais, no seu pertencimento a um grupo racial ou étnico ou em qualquer outra categoria que possa torná-lo particularmente suspeito”.
Em seu sexto período de sessões, o Grupo de Trabalho de Especialistas sobre as Pessoas de Ascendência Africana examinou o tema da elaboração de perfis raciais. O Grupo de Trabalho reconheceu que a sua elaboração viola o direito à não discriminação e recordou que as normas internacionais e regionais estabelecem que a discriminação racial na administração da justiça é ilícita. O Grupo de Trabalho destacou, ainda, que tem-se admitido que os perfis raciais são um problema específico devido a que sistemática e historicamente estão dirigidos contra as pessoas de ascendência africana, que tem consequências graves na medida que criam e perpetuam a estigmatização e estereótipos profundamente negativos dos afrodescendentes como criminosos em potencial. Além disso, considerou que na maioria dos casos em que os perfis raciais foram utilizados, não se conseguiu melhorar a situação de segurança e se prejudicou muito a população de ascendência africana e outros grupos vulneráveis.
As manifestações da utilização de perfis raciais também podem estar relacionadas à normativa ou à prática interna. Com efeito, como assinalou o Relator Especial sobre as formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e formas conexas de intolerância, “pode ocorrer que as políticas oficiais facilitem práticas discricionárias que permitam às autoridades encarregadas de fazer cumprir a lei dirigirem-se seletivamente suas atuações a grupos ou pessoas baseando-se na cor da sua pele, na sua vestimenta, no seu cabelo ou no idioma que falam”. O Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária ressalta que uma privação de liberdade tem motivos discriminatórios “quando resulta evidente que pessoas foram privadas de sua liberdade especificamente em razão das características distintivas reais ou aparentes ou por causa de seu pertencimento real ou presumido a um grupo diferenciado (geralmente minoritário)”.
No caso concreto, os agentes policiais justificaram a detenção do senhor Acosta Martínez em razão do suposto estado de ebriedade. Desta forma, ao utilizar uma normativa tão ampla como os Decretos contra a ebriedade, na verdade se encobriu a utilização de um perfil racial como motivo principal para sua detenção e, portanto, colocou-se de manifesto a arbitrariedade de sua privação de liberdade.
Desta forma, considerando que a abordagem e a detenção estiveram motivadas por motivos discriminatórios, a Corte considera que foram violados os artigos 7.1, 7.3 e 24 em relação ao art. 1.1 da CADH, em prejuízo do senhor Acosta Martínez.

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