STF, HC 188.888, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, j. 06.10.2020: A reforma introduzida pela Lei nº 13.964/2019 (“Lei Anticrime”) modificou a disciplina referente às medidas de índole cautelar, notadamente aquelas de caráter pessoal, estabelecendo um modelo mais consentâneo com as novas exigências definidas pelo moderno processo penal de perfil democrático e assim preservando, em consequência, de modo mais expressivo, as características essenciais inerentes à estrutura acusatória do processo penal brasileiro.
A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art. 282, §§ 2º e 4º, e do art. 311, todos do Código de Processo Penal, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio “requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público” (grifei), não mais sendo lícita, portanto, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação “ex officio” do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade.
A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz dos arts. 282, §§ 2º e 4º, e 311, do mesmo estatuto processual penal, a significar que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP.
O auto de prisão em flagrante, lavrado por agentes do Estado, qualifica-se como ato de formal documentação que consubstancia, considerados os elementos que o compõem, relatório das circunstâncias de fato e de direito aptas a justificar a captura do agente do fato delituoso nas hipóteses previstas em lei (CPP, art. 302), tendo por precípua finalidade evidenciar – como providência necessária e imprescindível que é – a regularidade e a legalidade da privação cautelar da liberdade do autor do evento criminoso, o que impõe ao Estado, em sua elaboração, a observância de estrito respeito às normas previstas na legislação processual penal, sob pena de caracterização de injusto gravame ao “status libertatis” da pessoa posta sob custódia do Poder Público.
Mostra-se inconcebível que um ato de natureza meramente descritiva, como o é o auto de prisão em flagrante, limitado a relatar o contexto fático-jurídico da prisão, permita que dele infira-se, por implicitude, a existência de representação tácita da autoridade policial, objetivando, no âmbito da audiência de custódia, a conversão da prisão em flagrante do paciente em prisão preventiva.
A conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, no contexto da audiência de custódia, somente se legitima se e quando houver, por parte do Ministério Público ou da autoridade policial (ou do querelante, quando for o caso), pedido expresso e inequívoco dirigido ao Juízo competente, pois não se presume – independentemente da gravidade em abstrato do crime – a configuração dos pressupostos e dos fundamentos a que se refere o art. 312 do Código de Processo Penal, que hão de ser adequada e motivadamente comprovados em cada situação ocorrente.
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