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Direito a banho quente

STJ, REsp 1.537.530, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 27.04.2017: A Defensoria Pública de SP ajuizou ação civil pública visando obrigar o Estado de SP a disponibilizar, em suas unidades prisionais, equipamentos para banho dos presos em temperatura adequada (“chuveiro quente”). O caso chegou ao STJ, que decidiu nos termos seguintes. O caso concreto é peculiar por ferir triplamente aspectos existenciais da textura íntima de direitos humanos substantivos. Primeiro, porque se refere à dignidade da pessoa humana, naquilo que concerne à integridade física e mental a todos garantida. Segundo, porque versa sobre obrigação inafastável e imprescritível do Estado de tratar prisioneiros como pessoas, e não como animais. Por mais grave que seja o ilícito praticado, não perde o infrator sua integral condição humana. Ao contrário, negá-la a um, mesmo que autor de crime hediondo, basta para retirar de todos nós a humanidade de que entendemos ser portadores como parte do mundo civilizado. Terceiro, porque o encarceramento configura pena de restrição do direito de liberdade, e não salvo-conduto para a aplicação de sanções extralegais e extrajudiciais, diretas ou indiretas. Quarto, porque, em presídios e lugares similares de confinamento, ampliam-se os deveres estatais de proteção de saúde pública e de exercício de medidas de assepsia pessoal e do ambiente, em razão do risco agravado de enfermidades, consequência da natureza fechada dos estabelecimentos, propícia à disseminação de patologias. É notório que, pelo menos durante quatro meses do ano, em SP, e, às vezes até durante o verão, ocorrem baixas temperaturas. Se assim é incontroverso que o Estado de SP não disponibiliza banho quente para a maioria da população carcerária, estamos realmente diante de desrespeito, não individual, mas massificado, a direitos humanos.

Mais do que privilégio ou leniência do sistema punitivo estatal, a higiene pessoal representa expediente de proteção de todos os presos, dos funcionários, dos voluntários sociais e religiosos, e dos familiares visitantes. Essa a razão para a Lei de Execução Penal atribuir filiação dúplice a “higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento”, simultaneamente como direito e dever do condenado (art. 39, IX). Além disso, a legislação impõe ao Estado o dever de garantir assistência material ao preso e ao internado, nela incluída “instalações higiênicas” (LEP, art. 12), expressão que significa disponibilidade física casada com efetiva possibilidade de uso. Assim, não basta oferecer banho com água em temperatura polar, o que transformaria higiene pessoal em sofrimento ou, contra legem, por ir além da pena de privação de liberdade, caracterizaria castigo extralegal e extrajudicial, consubstanciando tratamento carcerário cruel, desumano e degradante.

Finalmente, as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, promulgadas pelas Nações Unidas (Regras de Mandela), dispõem que “Devem ser fornecidas instalações adequadas para banho”, exigindo-se que seja “na temperatura” apropriada ao clima” (Regra 16). Irrelevante, por óbvio, que o texto não faça referência expressa a “banho quente”.

Assim, patente a presença de todos os elementos para a concessão da tutela antecipada requerida pela Defensoria Pública e concedida pela decisão de primeiro grau.

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