CIDH, Caso X e Y vs. Argentina. Relatório de mérito de 15.10.1996, § 63 e seguintes: A Lei Penitenciária Nacional da Argentina estabelece uma série de condições a que os visitantes devem se sujeitar para uma entrevista com pessoas presas. Outra normativa nacional prevê que os visitantes devem submeter-se ao método de revista vigente na unidade prisional se não preferirem desistir da entrevista, sendo que em todo caso a entrevista será efetuada por funcionário do mesmo sexo do revistado. Estes regulamentos outorgam às autoridades penitenciárias um amplo poder discricionário ao não especificarem as condições ou os tipos de visita a que são aplicáveis. É duvidoso que essa norma revista o grau de precisão necessário e essencial para determinar se uma ação está prescrita em lei. É inquestionável que tal deferência a essas autoridades em matéria de segurança interna guarda relação com sua experiência e seu conhecimento das necessidades concretas de cada centro penitenciário e do caso particular de cada preso. Não obstante, uma medida extrema como a revista ou inspeção vaginal das visitantes, que representa uma ameaça de violação a uma série de direitos garantidos pela Convenção, deve ser prescrita por uma lei que especifique claramente as circunstâncias em que se pode impor uma medida dessa natureza e que enumere as condições que devem ser observadas pelos responsáveis pelo procedimento, de modo que todas as pessoas sujeitas a ele possam contar com a maior garantia possível de que não estarão sujeitas a arbitrariedade e a tratamento abusivo.
A Comissão está consciente de que existe, em todos os países, regulamentos referentes ao tratamento de prisioneiros e detidos, bem como normas que regem seus direitos e visitas, estabelecendo horários, locais, formas, tipos de contato etc. Também se reconhece que as visitas corporais e, certas vezes, o exame físico intrusivo dos detidos e prisioneiros, poderiam ser necessários em certos casos.
Não obstante, esse caso envolve visitantes, cujos direitos não estão automaticamente limitados em razão do seu contato com os reclusos.
A Comissão não questiona a necessidade de revistas gerais antes de se permitir o ingresso numa penitenciária. Contudo, as revistas ou inspeções vaginais são um tipo de verificação excepcional e muito intrusiva. A Comissão deseja salientar que o visitante ou membro da família que procure exercer seu direito a uma vida familiar não se deve converter automaticamente em suspeito de um ato ilícito, não se podendo considerá-lo, em princípio, como fator de grave ameaça à segurança. Embora a medida em questão possa ser excepcionalmente adotada para garantir a segurança em certos casos específicos, não se pode sustentar que sua aplicação sistemática a todos os visitantes seja necessária para garantir a segurança pública.
A restrição aos direitos humanos deve ser proporcional ao interesse que a justifica e ajustar-se estritamente à obtenção desse legítimo objetivo. Para justificar as restrições dos direitos pessoais dos visitantes, não basta invocar razões de segurança. Trata-se, em última análise, de procurar um equilíbrio entre o interesse legítimo dos familiares e reclusos por visitas sem restrições arbitrárias ou abusivas e o interesse público de garantir a segurança nas penitenciárias.
A razoabilidade e a proporcionalidade de uma medida só podem ser determinadas mediante o exame de um caso específico. A Comissão opina que uma revista vaginal é muito mais do que uma medida restritiva ao implicar a invasão do corpo da mulher. Portanto, o equilíbrio de interesses que deve reger na análise da legitimidade dessa medida requer necessariamente que o Estado se sujeite a uma norma mais alta em relação ao interesse de efetuar uma revista vaginal ou qualquer tipo de revista corporal invasiva.
A Comissão opina que, para estabelecer a legitimidade excepcional de uma revista ou inspeção vaginal, num caso em particular, é necessário que se cumpram quatro condições: 1) deve ser absolutamente necessária para alcançar o objetivo de segurança no caso específico; 2) não deve existir qualquer alternativa; 3) deveria, em princípio, ser autorizada por ordem judicial; e 4) deve ser realizada unicamente por profissionais da saúde.
A Comissão opina que esse procedimento não deve ser aplicado, salvo se for absolutamente necessário para alcançar o objetivo de segurança num caso em particular. O requisito de necessidade significa que as revistas e inspeções dessa natureza só devem ser efetuadas em casos específicos, quando existem razões para acreditar na existência de perigo real para a segurança ou que a pessoa de que se trate possa estar transportando substâncias ilícitas. O Governo argumentou que as circunstâncias excepcionais do caso do marido da Senhora X tornam legítima a aplicação de medidas que limitam acentuadamente as liberdades individuais, já que tais medidas foram adotadas em prol do bem comum, identificado nesta circunstância como a preservação da segurança dos prisioneiros e do pessoal da prisão. Contudo, segundo o Chefe da Segurança, a medida foi uniformemente aplicada a todos os visitantes da Unidade 1. Poderia argumentar-se que a medida era justificável imediatamente após haverem sido encontrados explosivos em poder da Senhora X, mas não nas numerosas ocasiões em que foi aplicada antes desse fato.
A Comissão considera que a prática de efetuar revistas e inspeções vaginais e a consequente interferência no direito de visita deverá não apenas satisfazer um interesse público imperativo, como também levar em conta que entre diferentes opções para alcançar esse objetivo, deve ser escolhida a que menos restrinja o direito protegido.
Os fatos sugerem que a medida não era a única e talvez nem a mais eficiente para controlar o ingresso de entorpecentes e outras substâncias perigosas nas penitenciárias. Como foi admitido, tanto a Senhora X como sua filha foram submetidas ao procedimento em todas as visitas que efetuaram ao seu marido e pai e, mesmo assim, uma revista rotineira da sua cela revelou que o detido estava de posse de 400 gramas de explosivos.
Há indícios de que outros procedimentos menos restritivos, como a revista dos reclusos e suas celas, constituem meios mais razoáveis e eficientes para garantir a segurança interna. Também não se deve ignorar que a situação legal especial dos reclusos acarreta uma série de limitações ao exercício dos seus direitos. O Estado, que tem a seu cargo a custódia de todas as pessoas detidas e é responsável pelo seu bem-estar e segurança, dispõe de maior latitude para aplicar as medidas que sejam necessárias para garantir a segurança dos reclusos. Por definição, as liberdades pessoais de um detido são restritas e, portanto, é possível justificar em certos casos a revista corporal e, inclusive, a revista física invasiva dos detidos e presos, por métodos que também respeitem sua dignidade humana.
Obviamente, teria sido muito mais simples e razoável inspecionar os reclusos após uma visita de contato pessoal, em vez de submeter todas as mulheres que visitam as penitenciárias a um procedimento tão extremo. Somente em circunstâncias específicas, quando existe fundamento razoável para acreditar que representam um período concreto para a segurança ou que estão transportando substâncias ilícitas, é necessário revistar os visitantes.
O Governo também sustenta que o procedimento não era obrigatório e que só se realizava com o consentimento das visitantes. Portanto, depreende-se que, dado que o Estado propusera uma alternativa ao procedimento e os peticionários decidiram não utilizá-lo, não podem, por isso, reclamar que o Estado interferiu de maneira indevida. A Comissão assinala que o Estado não pode propor ou solicitar que as pessoas sob sua jurisdição se submetam a condições ou procedimentos que possam representar violação dos direitos protegidos pela Convenção. Por exemplo: as autoridades estatais não podem propor a uma pessoa que escolha entre uma detenção arbitrária e outra mais restritiva, embora lícita, porque as ações do Estado devem observar os princípios básicos de legalidade e devido processo.
Em certas circunstâncias, as inspeções ou revistas vaginais podem ser aceitáveis sempre que a aplicação da medida seja regida pelos princípios do devido processo e de salvaguarda dos direitos protegidos pela Convenção. Não obstante, se certas condições, como a legalidade, a necessidade e a proporcionalidade não forem observadas e se o procedimento não for aplicado sem o devido respeito a certos padrões mínimos que protegem a legitimidade da ação e a integridade física das pessoas a ele submetidas, não se pode considerar que exista respeito aos direitos e garantias consagrados na Convenção.
Por outro lado, a Comissão deseja assinalar que no caso da menina Y, não era possível contar com um consentimento real dado que, naquele momento, tratava-se de uma menina de 13 anos de idade, totalmente dependente da decisão adotada pela Senhora X, sua mãe, e da proteção que o Estado lhe oferecesse. Além disso, pelo evidente motivo da idade da menina, o método de inspeção vaginal utilizado resultava absolutamente inadequado e irracional.
Portanto, na opinião da Comissão, as autoridades penais, no caso presente, dispunham de outras opções razoáveis para garantir a segurança na penitenciária.
Supondo, inclusive, que não existisse um meio menos invasivo, a Comissão opina que, para efetuar uma revista corporal intrusiva, é necessário que exista um mandado judicial. Em princípio, um juiz deveria avaliar a necessidade de efetuar essas inspeções como requisito indispensável para uma visita pessoal sem infringir a dignidade e a integridade do indivíduo. A Comissão considera que as exceções a esta regra deveriam estar expressamente estabelecidas por lei.
Em quase todos os sistemas legais internos do Continente, existe o requisito de que os agentes policiais ou os funcionários de segurança estejam munidos de mandado para realizar certas ações que se consideram especialmente intrusivas ou que dão margem à possibilidade de abuso. Um exemplo claro é a prática segundo a qual o domicílio de uma pessoa goza de proteção especial e não pode ser invadido sem o devido mandado de busca. A inspeção vaginal, por sua natureza, constitui uma intrusão tão íntima do corpo de uma pessoa que exige proteção especial. Quando não existe controle e quando a decisão de submeter uma pessoa a esse tipo de revista íntima depende da discrição total da polícia ou do pessoal de segurança, existe a possibilidade de que a prática seja utilizada em circunstâncias desnecessárias, sirva de meio de intimidação e constitua alguma forma de abuso. A determinação de que este tipo de inspeção é um requisito necessário para a visita de contato pessoal deveria emanar, em todos os casos, da autoridade judicial.
Ainda que, no presente caso, encontraram-se materiais explosivos na cela do marido da Senhora X e existissem razões para suspeitar de seus visitantes, cabia ao Estado, em conformidade com o seu dever estabelecido na Convenção, a obrigação de organizar sua estrutura interna para garantir os direitos humanos e solicitar um mandado judicial para efetuar a revista.
Além disso, a Comissão insiste que a realização deste tipo de inspeção corporal invasiva, tal como a aplicada quando as autoridades ainda efetuavam inspeções dessa natureza, só pode estar a cargo de profissionais da saúde, com a estrita observância de regras de segurança e higiene, dado o possível risco de lesão física e moral a uma pessoa.
Ao condicionar a visita a uma medida altamente intrusiva, sem oferecer garantias apropriadas, as autoridades penitenciárias interferiram indevidamente nos direitos da Senhora X e de sua filha.
A Comissão tem sustentado invariavelmente que cabe ao Estado a obrigação de facilitar o contato do recluso com sua família, não obstante as restrições às liberdades pessoais que o encarceramento acarreta. Nesse sentido, a Comissão reiterou em diferentes ocasiões que o direito de visita é um requisito fundamental para assegurar o respeito à integridade e liberdade pessoal dos reclusos e, como corolário, o direito de proteção à família de todas as partes afetadas. Justamente em razão das circunstâncias excepcionais que caracterizam o encarceramento, o Estado tem a obrigação de adotar medidas conducentes à efetiva garantia do direito de manter e desenvolver relações familiares. Portanto, a necessidade de qualquer medida que restrinja este direito deve ajustar-se aos requisitos ordinários e razoáveis do encarceramento.
Assim, a Comissão conclui que, ao requererem as autoridades do Estado argentino que a Senhora X e sua filha se submetessem a revistas vaginais sempre que desejavam manter contato pessoal com o marido da Senhora X, exerceram interferência indevida no direito à família dos peticionários.