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Numerus clausus na execução de medida socioeducativa

STF, HC 143.988, Rel. Min. Edson Fachin, 2ª Turma, j. 24.08.2020: Admite-se a impetração de HC coletivo como via processual legítima, racional, adequada e isonômica na tutela do direito à liberdade ambulatorial. A medida socioeducativa, principalmente a privação de liberdade, deve ser aplicada somente quando for imprescindível, nos exatos limites da lei e pelo menor tempo possível, pois, ainda quando adequada a infraestrutura da execução dessa medida de internação, há inevitável restrição do direito de liberdade. Logo, a situação aflitiva não deve perdurar além do estritamente necessário à inclusão, desaprovação e responsabilização do adolescente pelo seu ato infracional.
Embora significativos esforços projetados ou já implementados, pelos Estados destinatários da ordem que se busca, não se mostra plausível solução judicial que chancele o descumprimento sistemático das regulamentações que visam a assegurar proteção aos adolescentes em ressocialização, em especial quando a questão de fundo versada na impetração reflete antigos e persistentes reclamos endereçados contra o Estado brasileiro no âmbito de organismos internacionais.
No âmbito da Corte Interamericana, já se decidiu que a interação especial de sujeição estabelecida entre os adolescentes privados de liberdade e os agentes responsáveis pela custódia impõe ao Estado uma série de deveres, portanto, devem ser implementadas ações e iniciativas estatais com o fim de fortalecer e incentivar nesses internos o desenvolvimento dos seus projetos de vida, os quais não podem ser aniquilados em função da privação de liberdade.
Esses casos contenciosos apontam que a superpopulação nas instituições, somada a outros problemas infraestruturais, por exemplo, insalubridade, alimentação deficitária, falta de atendimento médico e psicológico, vulnera as normas convencionais, além de fomentar lamentáveis situações de violência e abusos entre os próprios internos, ou entre estes e os funcionários.
Dada a autonomia dogmática do princípio da vedação à proteção insuficiente, ainda que existam clamores ou sentimentos sociais na contramão do que se vem de assentar, pelo que já se expôs, é inafastável concluir que os deveres estatais de proteção nessa seara não podem ser simplificados, reduzidos e/ou perspectivados como mera exigência de ampliação do rigor e da severidade na imposição e execução das medidas socioeducativas aos adolescentes em conflito com a lei. Nessa perspectiva, a limitação do ingresso de adolescentes nas Unidades de Internação em patamar superior à capacidade de vagas projetadas, além de cessar as possíveis violações, previne a afronta aos preceitos normativos que asseguram a proteção integral, densificando as garantias dispostas no artigo 227 da Constituição Federal (com redação dada pela Emenda Constitucional nº. 65/2010), além de fortalecer o postulado de respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Incide, ainda, o princípio da dignidade da pessoa humana, cuja previsão expressa está no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988, sendo repetido no art. 124, V, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ordem de habeas corpus concedida para determinar que as unidades de execução de medida socioeducativa de internação de adolescentes não ultrapassem a capacidade projetada de internação prevista para cada unidade, nos termos da impetração e extensões.
Propõe-se, ainda, a observância dos seguintes critérios e parâmetros, a serem observados pelos Magistrados nas unidades de internação que operam com a taxa de ocupação dos adolescentes superior à capacidade projetada: i) adoção do princípio numerus clausus como estratégia de gestão, com a liberação de nova vaga na hipótese de ingresso; ii) reavaliação dos adolescentes internados exclusivamente em razão da reiteração em infrações cometidas sem violência ou grave ameaça à pessoa, com a designação de audiência e oitiva da equipe técnica para o mister; iii) proceder-se à transferência dos adolescentes sobressalentes para outras unidades que não estejam com capacidade de ocupação superior ao limite projetado do estabelecimento, contanto que em localidade próxima à residência dos seus familiares; iv) subsidiariamente, caso as medidas propostas sejam insuficientes e essa transferência não seja possível, o magistrado deverá atender ao parâmetro fixado no art. 49, II, da Lei 12.594/2012, até que seja atingido o limite máximo de ocupação; v) na hipótese de impossibilidade de adoção das medidas supra, que haja conversão de medidas de internação em internações domiciliares, sem qualquer prejuízo ao escorreito cumprimento do plano individual de atendimento podendo ser adotadas diligências adicionais de modo a viabilizar o seu adequado acompanhamento e execução; vi) a internação domiciliar poderá ser cumulada com a imposição de medidas protetivas e/ou acompanhada da advertência ao adolescente infrator de que o descumprimento injustificado do plano individual de atendimento ou a reiteração em atos infracionais poderá acarretar a volta ao estabelecimento de origem; vii) a fiscalização da internação domiciliar poderá ser deprecada à respectiva Comarca, nos casos em que o local da residência do interno não coincida com o da execução da medida de internação, respeitadas as regras de competência e organização judiciária; viii) alternativamente, a adoção justificada pelo magistrado de outras diretrizes que entenda adequadas e condizentes com os postulados constitucionais e demais instrumentos normativos.

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