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Quebra de dados informáticos estáticos de usuários em determinada localização geográfica

STJ, RMS 61.302, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 3ª Seção, j. 26.08.2020: Na espécie, a ordem judicial direcionou-se a dados estáticos (registros), relacionados à identificação de usuários em determinada localização geográfica que, de alguma forma, possam ter algum ponto em comum com os fatos objeto de investigação por crimes de homicídio. A determinação do Magistrado de primeiro grau, de quebra de dados informáticos estáticos, relativos a arquivos digitais de registros de conexão ou acesso a aplicações de internet e eventuais dados pessoais a eles vinculados, é absolutamente distinta daquela que ocorre com as interceptações das comunicações, as quais dão acesso ao fluxo de comunicações de dados, isto é, ao conhecimento do conteúdo da comunicação travada com o seu destinatário. Há uma distinção conceitual entre a quebra de sigilo de dados armazenados e a interceptação do fluxo de comunicações. Decerto que o art. 5º, X, da CF/88 garante a inviolabilidade da intimidade e da privacidade, inclusive quando os dados informáticos constarem de banco de dados ou de arquivos virtuais mais sensíveis. Entretanto, o acesso a esses dados registrados ou arquivos virtuais não se confunde com a interceptação das comunicações e, por isso mesmo, a amplitude de proteção não pode ser a mesma.
Os dispositivos que se referem às interceptações das comunicações indicados pelos recorrentes não se ajustam ao caso sub examine. O procedimento de que trata o art. 2º da Lei n. 9.296/1996, cujas rotinas estão previstas na Resolução n. 59/2008 (com alterações ocorridas em 2016) do CNJ, os quais regulamentam o art. 5º, XII, da CF, não se aplicam a procedimento que visa a obter dados pessoais estáticos armazenados em seus servidores e sistemas informatizados de um provedor de serviços de internet. A quebra do sigilo de dados, na hipótese, corresponde à obtenção de registros informáticos existentes ou dados já coletados.
Não há como pretender dar uma interpretação extensiva aos referidos dispositivos, de modo a abranger a requisição feita em primeiro grau, porque a ordem é dirigida a um provedor de serviço de conexão ou aplicações de internet, cuja relação é devidamente prevista no Marco Civil da Internet, o qual não impõe, entre os requisitos para a quebra do sigilo, que a ordem judicial especifique previamente as pessoas objeto da investigação ou que a prova da infração (ou da autoria) possa ser realizada por outros meios.
Os arts. 22 e 23 do Marco Civil da Internet, que tratam especificamente do procedimento de que cuidam os autos, não exigem a indicação ou qualquer elemento de individualização pessoal na decisão judicial. Assim, para que o magistrado possa requisitar dados pessoais armazenados por provedor de serviços de internet, mostra-se satisfatória a indicação dos seguintes elementos previstos na lei: a) indícios da ocorrência do ilícito; b) justificativa da utilidade da requisição; e c) período ao qual se referem os registros. Não é necessário, portanto, que o magistrado fundamente a requisição com indicação da pessoa alvo da investigação, tampouco que justifique a indispensabilidade da medida, ou seja, que a prova da infração não pode ser realizada por outros meios, o que, aliás, seria até, na espécie – se houvesse tal obrigatoriedade legal – plenamente dedutível da complexidade e da dificuldade de identificação da autoria mediata dos crimes investigados.
Logo, a quebra do sigilo de dados armazenados, de forma autônoma ou associada a outros dados pessoais e informações, não obriga a autoridade judiciária a indicar previamente as pessoas que estão sendo investigadas, até porque o objetivo precípuo dessa medida, na expressiva maioria dos casos, é justamente de proporcionar a identificação do usuário do serviço ou do terminal utilizado.
Conforme dispõe o art. 93, IX, da CF, “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”. Na espécie, tanto os indícios da prática do crime, como a justificativa quanto à utilização da medida e o período ao qual se referem os registros foram minimamente explicitados pelo Magistrado de primeiro grau.
Quanto à proporcionalidade da quebra de dados informáticos, ela é adequada, na medida em que serve como mais um instrumento que pode auxiliar na elucidação dos delitos, cuja investigação se arrasta por dois anos, sem que haja uma conclusão definitiva; é necessária, diante da complexidade do caso e da não evidência de outros meios não gravosos para se alcançarem os legítimos fins investigativos; e, por fim, é proporcional em sentido estrito, porque a restrição a direitos fundamentais que dela redundam – tendo como finalidade a apuração de crimes dolosos contra a vida, de repercussão internacional – não enseja gravame às pessoas eventualmente afetadas, as quais não terão seu sigilo de dados registrais publicizados, os quais, se não constatada sua conexão com o fato investigado, serão descartados.
Logo, a ordem judicial para quebra do sigilo dos registros, delimitada por parâmetros de pesquisa em determinada região e por período de tempo, não se mostra medida desproporcional, porquanto, tendo como norte a apuração de gravíssimos crimes cometidos por agentes públicos contra as vidas de três pessoas – mormente a de
quem era alvo da emboscada, pessoa dedicada, em sua atividade parlamentar, à defesa dos direitos de minorias que sofrem com a ação desse segmento podre da estrutura policial fluminense – não impõe risco desmedido à privacidade e à intimidade dos usuários possivelmente atingidos pela diligência questionada.

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